Luísa Shimdt, no Expresso:
(...) «Depois do desastre não tem faltado quem pregue sobre ele. Mas há muito tempo que vinham sendo lançados alertas sobre a (in)viabilidade do sistema económico e financeiro em que a nossa euforia assentava... E não só económica e financeira; também ambiental e ético-social.
É desses avisos antigos que convém agora tirar a lição tardia - uma lição que anda toda em redor da palavra 'sustentabilidade'.
O crédito de alto risco era insustentável. O sistema financeiro que dançou nesse arame era insustentável. A pressão crescente sobre os recursos naturais era insustentável. A omissão eterna da fome e da pobreza era insustentável. O modelo de consumo que todas estas insustentabilidades alimentavam era - e é - insustentável...
A crise não se resolve, assim, apenas com manobras monetárias. Porque esse é apenas um lado da questão. A crise resolve-se saindo dela. Ou seja, saindo do modelo de vida que a produz e que lhe é inerente. Por isso, a grande oportunidade que a crise nos dá está em obrigar-nos a sair dela.
Confrontados com essa necessidade, os países desenvolvidos - e particularmente a UE - viram-se cada vez mais para a implementação de um modelo de economia mais inteligente. (...)
Uma redefinição de prosperidade em termos modernos, distanciada da bulimia e da obesidade das sociedades de consumo rudimentar.
Viver na vertigem de consumir cada vez mais mercadorias mais baratas e menos duradouras não aumenta o estado de satisfação das pessoas com a vida. Há um nível a partir do qual a espiral de consumo perde eficiência na produção de bem-estar, sendo que, lá longe, não parou de produzir mal-estar a outras sociedades e aos seus recursos naturais.
Não se trata, claro, de suspender o consumo, o que acarretaria uma ruína tão má ou pior do que aquela em que estamos a cair. Mas sim de gerar novos horizontes de consumo - não só ao nível dos bens, mas também da forma como eles são consumidos. Trata-se de uma nova cultura de consumo mais sofisticada, menos viciada nas montanhas de produtos inúteis e na espiral de consumo que nos levou ao irremissível endividamento com que a crise nos traz à coleira; uma cultura de consumo ambiental e socialmente motivada que implique mais incorporação de conhecimento e de inovação.
Destacam-se também as propostas para uma ativação efetiva da economia com um crescimento de perfil diferente, desdobrando novos sectores económicos com lógicas energéticas e ambientais muito mais desenvolvidas e socialmente mais justas. Muitas propostas alvitram, aliás, curiosamente, sentidos muito favoráveis à condição portuguesa: apontam para uma importância crescente da fruição de valores culturais, ambientais, societais, reduzindo a pressão sobre recursos e apostando nas energias renováveis, reforçando a coesão e a harmonia social.
Apontam para a criação de produtos simultaneamente excelentes e simples, revalorizando, por um lado, os contextos locais e, por outro, a enorme incorporação de conhecimento científico, sem terem que envolver pesadíssimas indústrias na sua fatura.
Apontam para os valores e espaços públicos e cívicos de uma vida cultural elevada, ativa e coletiva - incluindo as atividades performativas, as indústrias culturais e a economia dos patrimónios (construído e natural) e a reabilitação urbana com eficiência energética. Tudo coisas em que os valores de base se encontram dentro do próprio país; não precisam de ser importados e não correm genericamente grande risco de abalar daqui para fora. (...)
Com uma prosperidade assente num crescimento de tipo diverso cujo objetivo seja não necessariamente ficar maior, mas ficar diferente e melhor. » (...)
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