sexta-feira, dezembro 22, 2006

Famílias, para que vos quero?



«Actualmente basta-me ver um homem, ou uma mulher, rebocando pela rua três crianças para olhar para trás admirado, inclusive com uma certa curiosidade antropológica. Como é que, hoje em dia, se pode ser tão optimista? Porque, de facto, as famílias numerosas são a melhor demonstração de um optimismo desconcertante. Estes casais não trazem apenas muitos filhos ao mundo: têm a consciência de que dedicarão grande parte das suas vidas a educá-los. Proclamam uma fé na existência que é quase comovedora.» (...)

(Artigo de Pedro Ugarte, em El País, 16-Out.-2004)


(...) «Sinto uma especial simpatia por aquilo a que chamam família numerosa, uma simpatia que tem pouco a ver com gosto pessoal, já que embora neste país se possa aceder a esta categoria com apenas três rebentos, este vosso escriba tem apenas a honra de ter trazido ao mundo dois, e não tem qualquer intenção de aumentar o exército dos recrutas domésticos. Mas tenho que reconhecer que há nas famílias numerosas alguma coisa tão admirável e voluntariosa, que só podem contemplar-se com ternura.»

«O facto de que com apenas três filhos já se seja considerado família numerosa, é bem um sinal da sociologia do momento. (...) Fico eternecido e admirado: conseguem cuidar dos filhos apesar dos gastos. Sacrificam projectos pessoais, investem grande parte das suas economias em fraldas, sapatos e colégios. Vivem no alerta permanente de ter que vigiar crianças pequenas, propensas a meterem-se em todo o tipo de sarilhos e acidentes. Os pais e mães que assumem esta tarefa fazem-no com orgulho, face à indiferença dos poderes públicos, que pouco fazem por eles; face à ironia dos amigos e conhecidos; até contra o preconceito que hoje provocam conceitos como família, amor, fraternidade, paternidade e maternidade.»
(...)
«Se a família, como instituição, não está propriamente na moda, o termo família numerosa é suficiente para nos considerarem cavernícolas. Desta família troçam o cinema e a literatura; riem-se os artistas, os colunáveis e os filósofos da moda.» (...)

«Ser capaz de manter uma família representa, para os modernaços e os iluminados, uma prova de indigência mental. Estes heróis da demografia não recebem nenhum reconhecimento, nem sequer por conseguirem encaixar 3 a 5 filhos nos apartamentos dos nossos dias. Mesmo numa perspectiva estética, os herois dos nossos dias costumam ser quase sempre solteiros.»

«A verdade é que os poderes públicos, os intelectuais, os grupos de pressão, os fazedores de opinião estão ocupados com problemas mais sublimes: a sobrevivência do urso panda, o regime jurídico das uniões de facto, as reformas dos funcionários, a afirmação de valores cada vez mais abstractos e vazios.»


«Entende-se que são causas muito louváveis, mas o contraste é paradoxal. Tudo parece merecer apoios e subsídios, estudos e atenções, excepto o comprometer-se a criar, alimentar, proteger e educar os novos cidadãos.»

segunda-feira, dezembro 04, 2006

(Des)Almada!


Foi apresentada na Assembleia Municipal de Almada, uma moção com vista à criação da tarifa familiar no consumo doméstico de água.
Como se sabe, em Portugal as tarifas por escalões penalizam quem tem filhos, ao não levar em conta o consumo per capita, mas apenas o consumo total.
Esta prática discriminatória é tanto mais absurda, quanto o país tem um défice de nascimentos de perto de 1 milhão de bebés. Ou seja, a bancarrota da Segurança Social, o fecho das escolas e maternidades é uma consequência directa da falta de renovação populacional.
Mas a maioria comunista chumbou a proposta.
O "quanto pior, melhor" continua a vigorar nalgumas cabeças. É pena. Tenho a certeza que há gente no PCP e no BE que nasceu de pai e mãe!

O imperialismo americano e uma certa esquerda europeia

No Público de segunda, 23 de Outubro de 2006

O célebre relatório Kissinger e a política internacional maltusiana

Mário Pinto

1.No meu último artigo, interroguei-me acerca das razões pelas quais um crime tão repugnante como o aborto, condenado pela consciência da nossa cultura civilizacional desde há dois milénios, sem discordâncias a não ser por parte das grandes ideologias totalitárias do século XX (nazismo e comunismo), se tornou, de repente, e sem novas razões doutrinais nem científicas, como algo de, não apenas lícito, mas até pretendidamente direito fundamental da mulher (só da mulher), decorrente da propriedade do seu corpo.

2. E cheguei à conclusão de que haveria, sem dúvida, uma explicação na mudança de cultura e das mentalidades. Mas, visto que as mudanças culturais, mesmo no nosso tempo acelerado, são mais lentas do que tem sido a reviravolta (ou revolução) do aborto, procurei o concurso de algum factor catalisador. E achei que esse factor foi e é a política maltusiana do ocidente próspero e egoísta, relançada pelo célebre relatório Kissinger. Esta tese, que não é original, encontra confirmação em factos significativos indesmentíveis e nas próprias intenções da política internacional dos últimos anos.

3. Sobre a «política de cultura» incidente na mudança de mentalidade, ficará para outra ocasião. Aliás, vai decorrer na Fundação Gulbenkian, de 25 a 27 deste mês, inserido nas comemorações do seu 50ª aniversário, um Colóquio como talvez só a Gulbenkian nos pudesse proporcionar, cujo tema geral é: "Que valores para este tempo?". Na apresentação deste colóquio, um claro texto do saudoso Fernando Gil, datado de 14 de Dezembro passado, diz-nos que (e cito do programa da Conferência) "parece oportuno interrogar-nos sobre o que se pode chamar, sem exagero, uma crise geral do sentido. Ela acha-se declarada nas várias declinações da temática do "fim", (...) do fim do sujeito (ou até do homem), da verdade (não só da "metafísica" mas das próprias ciências), da história ou da beleza. É significativo que estes termos recubram os sistemas de valores sobre os quais o Ocidente se construiu, a partir da herança grega e cristã. Platão designou-os por Verdadeiro, Belo e Bem..." (fim de citação).

4. Hoje, trago aqui algumas notas sobre a influente política internacional maltusiana que, desde há uns anos, se desdobra num largo leque de poderosas actuações e financiamentos com vista a limitar a natalidade e a população. É esta política que, procurando cumplicidades, organizadamente fornece estratégias e financiamentos que são evidentes em movimentos e grupos ideológicos activos nos vários países e em instâncias supranacionais.

5. Nos últimos anos da Administração Nixon, primeiros anos setenta, foi elaborado um estudo do Departamento de Estado que identificou o crescimento da população mundial como "um assunto da máxima importância» para os EE.UU", porque esse crescimento nos países em vias de desenvolvimento punha em perigo designadamente o acesso aos minerais e a outras matérias primas indispensáveis, constituindo uma ameaça à segurança económica e política. Qual era a solução? O controlo da população. Esse estudo deu origem a um célebre memorando de Kissinger, e este, por sua vez, a um memorando executivo da Administração americana que lançou a política internacional na corrida ao controlo da natalidade e da população. Assim, a bomba K (política Kissinger) opunha-se à bomba P (aumento da população mundial). Estes documentos estiveram reservados durante vários anos, mas podem agora consultar-se livremente.

6. Muitas das afirmações do referido estudo são verdadeiras prédicas maltusianas. Prevê-se, por exemplo, que as necessidades das populações dos países do terceiro mundo relativamente aos recursos naturais mundiais "causarão graves problemas que poderiam afectar os EE. UU. Por causa da necessidade de aumentar o apoio financeiro aos países em vias de desenvolvimento...", em relação com tratados comerciais com preços mais elevados para as suas exportações. Em certa altura, o documento faz referência ao custo do financiamento do desenvolvimento económico e calcula que seria muito mais "efectivo" usar esse financiamento para fins de controlo populacional.
7. O estudo sugere que se tente converter as populações dos países em protagonistas dos planos de acção, assegurando-lhes o acesso às tecnologias da contracepção. E assinala que "conflitos que à primeira vista são políticos, na realidade têm raízes demográficas"; e que "as acções revolucionárias e os golpes contra-revolucionários terminam por expropriar os interesses estrangeiros (...) e não são bons nem para esses interesses nem para os países onde ocorrem".
Esta doutrina não foi inédita; foi sim um relançamento, mas desta vez com decisiva eficácia, da velha ideologia da segurança demográfica.
8. Direi que, de um ponto de vista de ética pessoal e social, penso que nada haveria a criticar se apenas se tratasse de apoiar uma respeitosa educação, e os meios que permitissem aos casais uma paternidade responsável. Porém, a política de restrição mundial da população pretendida pelo documento não se determina pelo desenvolvimento da responsabilidade pessoal e familiar; pretende sim, por razões de Estado, modificar os padrões sexuais e reprodutivos das pessoas e casais, diminuir o número de famílias, reduzir a dimensão das famílias, multiplicar o uso dos meios anticonceptivos e abortivos, dificultar a criação de filhos, aumentar a ocupação profissional das mulheres, em suma desligar a sexualidade da família e da procriação.

9. Esta política tem consciência de que rompe com as estruturas morais e éticas e não hesita em defender a ruptura das concepções de valores tradicionais. Não porque tenha uma concepção filosófica nova; mas porque só pretende, e a todo o custo, efeitos demográficos. E como a procriação tem que ver com os mecanismos da vida, essa política interesseira entra pelas questões das manipulações genéticas, sob um pretexto de "saúde reprodutiva".

10. A política maltusiana tem um aliado natural: a mentalidade irracionalista do hedonismo e do consumismo grosseiros. É como faca quente em manteiga. Para uma pretensa justificação, bastam slogans primitivos, com base em ideias primárias como a propriedade do corpo, um igualitarismo demagógico abstracto, o direito ao prazer sexual sem restrições, uma compaixão amoral das mulheres que abortam, uma comparação parola com os países ditos mais adiantados que já liberalizaram o aborto, etc.
11. Se algum dos meus leitores pensar que estou a ser injusto com as suas bem intencionadas concepções pessoais, dir-lhe-ei que não pretendo ofender nenhuma concepção séria, filosófica ou ética, em matéria de sexualidade ou procriação. Pelo contrário, estou disposto a dialogar respeitosamente com todas. Coisa diferente é a propaganda simplista e repetitiva com que todos os dias nos bombardeiam nos média. O que é necessário é levantar a suspeita das intenções das políticas de controlo internacional da natalidade e da população, que, por razões geoestratégicas egoístas, manipulam as opiniões e as mudanças legislativas. As tais que nos querem apresentar como exemplo de avanço e de progresso - atrasadinhos que nós somos...