segunda-feira, maio 16, 2011

País em vias de extinção

«Já tudo se disse sobre o memorando de entendimento entre Portugal e as organizações internacionais. Temos aí um plano, exigente mas equilibrado, para regressar à solidez financeira e crescimento económico. Basta que o próximo governo o assuma como prioridade e vença os grupos de pressão, aqueles que nos trouxeram a esta situação e ainda estão vivos e activos para se protegerem dos cortes.

O mais espantoso neste processo é que, na miríade de comentários, mal se tenha falado do pior problema estrutural do país que, apesar de compreensivelmente alheio ao memorando, está por baixo de boa parte das dificuldades actuais: a decadência demográfica. Portugal tem a taxa de fertilidade mais baixa da Europa ocidental, quase metade do nível de reposição das gerações. Somos um país em via de extinção.» (...)

«A ausência de crianças e jovens, que afecta o sistema educativo há anos, sente-se já em múltiplas outras áreas. Falta de produtividade, envelhecimento da população, problemas de segurança social, saúde, assistência, etc., são crescentes. Até a solução da dívida, poupar mais e trabalhar melhor, fica difícil num país com percentagem crescente de idosos.» (...)

«Nos últimos anos, o Governo teve uma posição clara e empenhada neste assunto, com decisões fortes e incisivas. Facilitou o divórcio, subsidiou o aborto, promoveu o casamento homossexual, criando assim a mais maciça campanha de ataque e desmantelamento da família da nossa história. Dados os resultados, pode dizer-se que, pelo menos aqui, a política governamental foi um grande sucesso e o Executivo pode orgulhar-se. Deu mesmo cabo do País!» (...)
(J César das Neves, DN, 16 de Maio)

sexta-feira, maio 13, 2011

"Os professores como factor determinante do sucesso escolar"


(...) «Nos últimos anos, tem sido repetidamente demonstrado, nas análises mais cuidadosas das variáveis que afectam o sucesso dos alunos, que o factor que mais influencia a relação escola - sucesso dos alunos é o professor e a qualidade das suas práticas.

Compreendeu-se também que esta ligação entre o ensino e a aprendizagem funciona melhor quando os professores são actores empenhados no processo e não se limitam a um papel de agentes.

Porque uma reforma, um programa, uma medida só é eficaz, na medida em que as pessoas são eficazes. Dizendo de outro modo, uma reforma é tão eficaz quanto as pessoas são eficazes.» (em aceprensa.pt)

Uma nova diáspora portuguesa

(...) «Portugal surge claramente acima da média em termos de predisposição dos jovens em terem uma experiência profissional no estrangeiro, de facto 25% admitem mudar de país numa perspectiva de longo prazo (igual à média europeia) e há ainda 32% que desejavam ter uma experiência temporária no estrangeiro (mais 4 pontos que a média europeia).

Ao todo temos 57% dos nossos jovens predispostos a trabalhar fora do país um valor acima dos 53% da média europeia. (...) No jornal Economia & Finanças, aqui.

sexta-feira, maio 06, 2011

A viragem do século no Reino Unido (e cá?)

(...) «Quase um ano depois da chegada de David Cameron ao número 10 de Downing Street, a sua visão da Grande Sociedade tem vindo a adquirir perfil»

Mas qual?

«A Grande Sociedade era nessa altura um projecto difuso na mente de Cameron. Havia, evidentemente, uma ideia clara: devolver aos cidadãos e às comunidades locais parte do poder que tinha vindo a ser acumulado pelo Estado na era trabalhista.

Cameron tem as coisas definidas: acabaram os entraves burocráticos da era trabalhista; agora é preciso favorecer a diversidade e a escolha

Mas o conjunto de ideias que acompanhavam essa mensagem central não eram demasiado concretas. Cameron -assegurava- queria promover o voluntariado, a iniciativa dos cidadãos, os valores familiares e a responsabilidade cívica.


Talvez o que desse maior coerência ao seu programa fosse a ideia de que a sociedade britânica estava quebrada e tinha de ser recomposta entre todos; uma espécie de "do it yourself" comunitário.

(...) A versão de alguns tories (...) é que o permissivismo dos trabalhistas, juntamente com uma política fiscal que privilegia a instabilidade familiar, tinha potenciado certos problemas como a dependência dos subsídios, o crescimento das taxas de divórcio ou o enfraquecimento dos vínculos sociais.

Outros tories, pelo contrário, preocupavam-se mais com a proliferação de regulamentações estatais durante os treze anos de governo trabalhista (acentuada, sobretudo, na fase liderada por Gordon Brown). (...) Para os críticos de Cameron, a Grande Sociedade é uma bonita maquilhagem para justificar os cortes orçamentais

(...) Em síntese, poder-se-ia dizer que durante a campanha eleitoral, a visão da Grande Sociedade tinha bastantes ingredientes para conseguir o apoio dos votantes. Em primeiro lugar, porque era uma ideia inclusiva: embora se definisse em oposição ao Estado Providência dos trabalhistas, apelava aos cidadãos com a ideia de que "disto tratamos nós todos". E, em segundo lugar, porque presentava valores e princípios positivos.

Também era uma ideia astuta, pois apresentava uma saída digna -e, de alguma maneira, uma justificação teórica coerente- para os futuros cortes orçamentais que o novo governo teria necessariamente de efectuar. Se a partir de agora a iniciativa seria dos cidadãos... que ninguém fosse a seguir solicitar dinheiro a Cameron.

(...) Aprovada em Julho passado, a Lei das Academias possibilitou que pais, professores, empresários, igrejas e organizações de beneficência criassem novas escolas, com financiamento público, sem que as autoridades educativas locais pudessem vetá-las

Em Novembro, o governo publicou um Livro Branco onde acrescentava novos incentivos à variedade de escolas e à liberdade de escolha. Além disso, propunha envolver mais as escolas públicas na preparação dos seus professores, dando àquelas uma maior autonomia

Depois da educação, chegou a vez da saúde. A medida mais significativa da reforma proposta por Cameron em Janeiro deste ano, consistia em transferir a gestão de 80% do orçamento do sector da saúde que se encontrava nas mãos das autoridades sanitárias locais, para consórcios formados por clínicos gerais, que se iriam juntar de modo a contratar serviços de hospitais e especialistas. O seu trabalho seria supervisionado por um novo órgão independente


Se acabasse por ser aprovada pelo Parlamento, a reforma permitiria aos médicos da Inglaterra (as outras partes do Reino Unido têm os seus próprios sistemas de saúde) decidir onde é necessário mais dinheiro e onde deve haver cortes. Além disso, os consórcios seriam autorizados a contratar serviços de empresas privadas que passariam a competir com a administração pública de saúde.

(...) Tendo em conta estas medidas, é evidente que Cameron está a ser coerente com a sua visão da Grande Sociedade. Outra coisa é o facto dos cortes que estão a ser efectuados pelo seu governo serem motivo de discussão. Neste sentido, é interessante a crítica que lhe fazem algumas organizações de beneficência (teoricamente, simpatizantes potenciais da Grande Sociedade).

A crítica pode resumir-se assim: por um lado, Cameron quer que os cidadãos façam voluntariado e que se envolvam mais na actividade quotidiana dos seus bairros; por outro lado, corta as ajudas económicas às organizações de beneficência.

Para a revista The Economist (10-02-2011), esta polémica pode levar a que o programa da Grande Sociedade não seja mais do que uma bonita maquilhagem para justificar os cortes, e que Cameron talvez esteja à espera que os cidadãos façam gratuitamente o trabalho que costumava ser feito pelo governo.

Em relação com esta polémica, conta o jornal The Telegraph (14-02-2011) o confronto havido entre Cameron e Sir Stephen Bubb, director da Association of Chief Executives of Voluntary Organisations, numa reunião realizada no mês de Fevereiro em Londres.

"O senhor tem paixão [pela Grande Sociedade]", atirou sir Bubb a Cameron. "E eu tenho paixão pelas organizações de beneficência; e quando observo que alguém faz cortes nas suas ajudas, e o seu trabalho nas comunidades vulneráveis enfraquece, digo que isso não está bem".

Mas Cameron não se intimidou facilmente. Aproveitando dados publicados durante essa altura -mais de 220 responsáveis por municípios têm um salário superior ao do primeiro-ministro (142.500 libras em 2010) e, pelo menos, mil funcionários ganharam nesse ano mais de 1.000 libras- argumentou que o governo não tinha outras opções devido ao elevado défice público.

"Contudo -acrescentou-, as autoridades locais têm margem de manobra e podem decidir a que destinam os seus orçamentos. Por isso, estamos a pedir-lhes com firmeza que cortem no seu aparelho burocrático e baixem os seus salários, antes de fazerem cortes às ajudas concedidas às organizações de beneficência".

(...) Dias depois da polémica revelada pelo The Telegraph, o mesmo diário -de orientação conservadora- publicou um artigo assinado por Cameron onde anunciava a publicação de um Livro Branco dirigido à modernização do sector público britânico.

Este documento, que irá ser publicado em breve, pretende possibilitar que as empresas privadas assumam a prestação dos serviços públicos (com excepção da segurança nacional e da justiça) de modo a "substituir o monopólio do Estado por um sistema mais competitivo e eficaz".

Ter-se-á de esperar para ver o que diz o documento. Mas se, no final, a sua visão da Grande Sociedade se reduzir à eterna discussão Estado vs. mercado, seguramente irá defraudar um amplo sector do Partido Conservador.

E não é porque não estejam de acordo com esta ideia -estão-no-, mas porque na formulação original da ideia da Grande Sociedade estava presente um discurso ético que agora praticamente desaparece: o de impulsionar os valores familiares e os vínculos comunitários.

Dizia-o a seu modo o próprio Cameron no seu artigo: "Para nós, devolver o poder aos cidadãos em detrimento de Whitehall [sede do governo britânico] e modernizar os serviços públicos, são aspectos mais significativos da Grande Sociedade que o trabalho que estamos a realizar para estimular a acção social".» (Publicado em aceprensa)