terça-feira, março 10, 2009

Encomendar um filho na telepizza

Nem todos estão conscientes de que, hoje em dia, diagnóstico pré-natal significa geralmente abortar, na presunção de que é possível evitar algumas doenças, matando o futuro doente.

A verdade é que apenas se avaliam probabilidades de adoecer, o que significa que se matam seres humanos saudáveis, apenas para que não adoeçam num futuro imprevisível.
Para sermos coerentes, provavelmente mataríamos toda a gente porque todos estamos em risco de adoecer ( ou de ter um acidente grave com sequelas).

Tudo isto começou há muito tempo, com a fertilização in vitro. Desde essa altura que a produção de embriões humanos por manipulação no laboratório, teve sempre como efeito colateral a morte de centenas de irmãos desse ser, por não terem sido "seleccionados" para implantação no útero.


Claro que tudo isto é justificado com ideais muito virtuosos, como sejam uma sociedade sem doentes, ou o evitar de terríveis doenças hereditárias. À medida que for aumentando a capacidade de diagnóstico precoce, a manter-se esta cultura, iremos matando ("seleccionando") cada vez mais crianças, muitas delas saudáveis, apenas porque tinham uma "probabilidade" de vir a adoecer, algures no futuro.


O facto de nem todos os que têm predisposição genética para adoecer, adoeçam efectivamente (é apenas uma probabilidade), tal como o facto de que os ditos "saudáveis" adoeçam frequentemente de doenças comuns, não tem demovido os novos "construtores" de seres humanos.

O poder de "construir" e destruir seres humanos é, na sua argumentação, um dogma intocável: quem se opõe é retrógrado, inimigo do "progresso", tem interesses ocultos, etc.


Com tudo isto já se estão também a criar novas discriminações sociais: entre os que têm dinheiro para a "selecção" dos filhos, e os pobres que ficariam entregues ao azar genético.


No meio de tudo isto, sobra a superstição científica sobre o valor preditivo dos genes. Basta passar os olhos pelos casos do mundo real.
No New York Times de Agosto passado, uma entrevista a duas irmãs gémeas, ambas com 92 anos de idade, mostrou uma delas vibrante de saúde e actividade, vivendo sozinha e conduzindo carro, fazendo compras e participando em actividades da comunidade. A outra acamada, por fractura osteoporótica, com uma doença que a está a levar à cegueira, com incontinência urinária e demência.

Os genes são apenas um dos dados da saúde e da doença: os factores do ambiente, da cultura, os hábitos de vida, a alimentção, as escolhas individuias, etc. têm um peso equivalente no prognóstico.

James W. Vaupel é director do Laboratório do Instituto Max Planck, na Alemanha, dedicado ao estudo da "Sobrevivência e Longevidade". Segundo ele, enquanto a altura de uma criança pode ser explicada em 80 a 90% pela altura dos pais, no que diz respeito à longevidade, os genes herdados apenas contribuem com 3%. De facto sabe-se que os gémeos monovitelinos ("verdadeiros" gémeos) morrem com diferenças de idade média de cerca de 10 anos.

O que tudo isto significa é que as probabilidades e generalizações apenas funcionam na estatística de grandes grupos. Em termos gerais, sabemos que um obeso que fuma tem mais hipóteses de morrer cedo do que o magro, que não fuma: mas perante casos individuais, nada sabemos.

A maioria das pessoas em famílias com doenças hereditárias não morrem da doença que herdaram, muitas nem sequer têm a doença.

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