quarta-feira, dezembro 29, 2010

Como medir o valor das escolas?

Encontro na Fundação Calouste Gulbenkian: como medir o valor acrescentado das escolas? Promovido pelo Fórum para a Liberdade de Educação.
6 de Janeiro de 2011, na Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, pelas 09H30, com a participação de Eric A. Hanushek, e os comentários de Carlos Pinto Ferreira e Paulo Trigo Pereira.


Entrevista com o Professor Adão Fonseca, aqui (audio)

quinta-feira, dezembro 23, 2010

A austeridade ainda não chegou


(...) «Temos de fazer reformas. É preciso alterar as regras de maneira justa! E não cair mais sobre os pobres. Isso é que é difícil, claro. Ainda por cima, estamos a ser injustos. De facto, há muitos salários extraordinários, há muitas regalias, pessoas que chegaram ao topo da carreira, que já não fazem nenhum e estão a receber imenso dinheiro.

O problema a que nós chegámos tem que ver com o facto de os ministérios terem sido capturados pelos lobbies, pelos grupos que deviam regular! O Ministério da Saúde tem como problema fundamental os médicos, não os doentes. O Ministério da Educação tem como problema fundamental os professores, não os alunos! Isto é assim em todos os ministérios!

Há sobretudo um gesto que me chocou brutalmente: em Abril, ou Maio, houve um Conselho Europeu e o eng. Sócrates voltou, com um puxão de orelhas da Merkel, dizendo: os alemães disseram: "Portugal tem de fazer coisas!" Nos dias seguintes foram anunciadas duas medidas. Primeira, cortes no subsídio de emprego e no rendimento social de inserção; depois, manutenção do TGV para o futuro.

E eu percebi... Um Governo socialista vai cortar o subsídio de desemprego e o rendimento social de inserção, mas não consegue enfrentar quem o suporta, quem lhe paga, que são as construtoras... Esse facto despertou-me a atenção para o nível a que estes grupos instalados estão, de facto, a controlar a política.» (...)

No Diário de Notícias, entrevista ao economista J. César das Neves.

quarta-feira, dezembro 15, 2010

desconfiados

No Público, em 14 de Dezembro, Pedro Lomba:

«Nos últimos tempos, José Sócrates saiu do esconderijo onde se protege do opróbrio de ter metido o país na bancarrota, pela única razão que normalmente o motiva a mostrar-se: comemorar e recomemorar um feito, uma percentagem. Aqui, a subida dos nossos alunos nos testes PISA de 2009. Ofereceu dois dias de entrevista ao Diário de Notícias. E exclamou, ufano: "É a prova de que os nossos alunos sabem mais."

Percebe-se. Mas ao mesmo tempo, pesando o histórico deste Governo em todas as modalidades de manipulação estatísticas e outras, perceba-se também a nossa prudência em julgar a façanha governativa. Não somos injustos. Somos isso mesmo: desconfiados.

Em democracia devemos desconfiar dos governos em geral e em Portugal, neste ano da graça de 2010, tudo recomenda que desconfiemos a dobrar. Antes de crenças, é da mais elementar prudência não deixar pedra por virar.

O Governo apresenta motivos plausíveis para sustentar que o estado da educação não é o que dizem oposições e alguns peritos.

Consideramos, porém, contra essa argumentação, desde logo, que os alunos testados pelo PISA de 2009 não foram abrangidos pelas políticas educativas mais emblemáticas de Sócrates e de Maria de Lurdes Rodrigues.

Mas devemos ir mais longe. Corramos as desconfianças até ao fim e analisemos a informação toda. E é aqui que batemos no segundo obstáculo: conhecemos o método aplicado, mas não sabemos as escolas indicadas pelo Governo tanto para a amostra de 2006 como para a de 2009. E, como lembrou há dias na blogosfera o especialista em Educação Paulo Guinote, precisávamos de conhecer esses dados em concreto, não só para podermos comparar 2006 com 2009, mas também para saber que critérios presidiram à amostra.

Infelizmente, nem o Ministério da Educação nem a OCDE afirmam ter condições para disponibilizar esses elementos. Ao email que enviei ontem para a OCDE sobre este ponto, foi-me respondido que a divulgação das escolas incluídas no projecto PISA é da competência exclusiva do Governo português. Pela sua parte, segundo notícias saídas na imprensa, o Ministério da Educação tem afirmado não as poder divulgar devido a um "acordo de confidencialidade" com a OCDE (a OCDE não confirma, pelo menos não me confirmou a mim, a existência desse "acordo de confidencialidade"). E não vejo aliás que suposto acordo confidencial entre o Governo e uma organização internacional pode impedir o Parlamento e qualquer cidadão de exigirem do Governo toda a informação pública relevante. Quais as razões que justificariam o segredo? (...)

Texto completo, aqui (Povo).

ONUdez

Na cabeça de maior parte das pessoas, as Nações Unidas tratam de promover a paz, favorecer o desenvolvimento, alimentar os que têm fome, providenciar tropas de manutenção de paz, e defender os direitos humanos. Mas há muitas outras actividades no campo da engenharia social das Nações Unidas (adiante designada ONU) que maior parte das pessoas nunca ouviu falar.

Um exemplo é que, desde há algum tempo, uma série de documentos da ONU relacionados com assuntos sociais fazem referência ao "direito à saúde sexual e reprodutiva" ou algo semelhante. E recentemente houve uma forte tentativa de estender este conceito à área da educação.

Foi preparado um documento por um "expert" em educação, um costa -riquenho de nome Vernor Muñoz Villalobos, que foi nomeado o Relator Especial da ONU para o Direito à Educação de Julho 2004 a Julho 2010. Os relatores são nomeados para investigar, monitorizar e recomendar soluções para determinados problemas de direitos humanos e é geralmente esperado que sejam experts "de elevado carácter moral e de reconhecida competência no campo dos direitos humanos".

O relatório de Muñoz intitulava-se Relatório do Relator Especial das Nações Unidas no direito à educação - Nota do Secretário Geral (documento da ONU: A/65/162), e foi apresentado ao Terceiro Comité (que trata dos assuntos sociais) da Assembleia Geral da ONU a 25 de Outubro.

Apesar de o título parecer inócuo, o documento em causa provou ser, sob o ponto de vista de muitos entendidos, enganoso, circundante e dissimulado. A sua verdadeira natureza torna-se clara através dos seguintes pontos retirados do índice:

A. Patriarcalismo e controle da sexualidade
B. Sexualidade, saúde e educação: três direitos interdependentes
C. Conceito e âmbito do direito humano da educação para a sexualidade
D. O direito à educação sexual: a sua relação com outros direitos e a necessidade de um género e perspectiva de diversidade

O relatório revelou-se totalmente focalizado na educação sexual. Não havia uma frase relacionada com a educação tal como é habitualmente entendida. O relatório promoveu um conceito de educação sexual que certas elites impotentes das ONU gostariam de impor a toda a população mundial, sejam países ricos ou pobres.

Este relatório de 21 páginas utilizou as expressões "sexual" e "sexualidade" num total de 233 vezes! Isto está em consonância com a elevação por parte de alguns organismos da ONU do tema do sexo ao estatuto de vaca sagrada ou bezerro de ouro.

O relatório promove a educação sexual universal com "especial atenção à diversidade" - um eufemismo para homossexualidade - sem qualquer ligação à procriação. Também promove "um direito à instrução do planeamento familiar" e denigre os direitos parentais e as crenças religiosas.

As escolas religiosas, que têm provido educação de elevada qualidade a milhões de crianças por todo o mundo durante séculos, são censuradas por prover educação sexual manchada por uma "influência eclesiástica indevida". Como remédio, o relatório propõe "educação sexual compreensiva desde o início" da escolaridade, para ser continuada na forma de educação ao longo da vida.

Também sublinha a "importância da abordagem da diversidade sexual", rejeita os programas de abstinência por falharem numa "tomada de decisão informada e responsável", e promove "informação científica de elevada qualidade que é livre de preconceitos e apropriada para a idade". De acordo com o relatório, "a educação sexual deve ser considerada um direito em si mesma". De formas subtis também promove o conceito do "direito ao prazer" através da actividade sexual.

O relatório afirma, como parte dum levantamento regional realizado sobre educação sexual, que na Europa existem 19 países com educação sexual obrigatória nas escolas. Diz que os programas iniciam aos 5 anos em Portugal e aos 13 anos na Holanda. Alguns entendidos poderiam ter-se sentido algo confortáveis pelo facto de que pelo menos em Portugal o assunto "é tratado nas disciplinas de biologia, geografia, filosofia e religião..."

É interessante que os termos "mães" e "pais" são utilizados apenas uma vez, e "pais" três vezes num contexto negativo: alguns pais, diz o relatório, estarão a levantar uma "barreira" se optam por dispensar as crianças da educação sexual nas escolas; mas é no entanto esperado que os pais "providenciem direcção e orientação nos assuntos sexuais e reprodutivos" que não interfira com os "direitos das crianças".

Depois de o relatório ter sido apresentado na reunião do Terceiro Comité, 19 delegações tomaram a palavra, algumas representando grupos regionais. De facto, os porta-vozes pelo Grupo Africano, a Comunidade das Caraíbas, a Liga Árabe, e a Organização da Conferência Islâmica (OCI) denunciaram estrondosamente o relatório.

Falou primeiro o delegado de Malawi, representando o Grupo Africano de estados, que categoricamente denunciou o relatório com algumas das mais duras palavras alguma vez ouvidas nas NU. O delegado foi "avisado" que o relator foi "para além do âmbito do seu mandato", que ele foi "selectivo" e expressou o seu próprio ponto de vista, e que ele estava "a violar o código de conduta" que se aplica aos relatores especiais.
(...)

A intervenção seguinte, de Trinidad e Tobago em nome da CARICOM (Comunidade das Caraíbas), foi também fortemente negativa. Indignou-se perante o relatório, declarou que o relator tinha tentado "usurpar" os direitos dos pais, violado o seu mandato, e que "nos tinha privado de informação" que aparentemente ele devia ter reunido. O relatório foi considerado "inaceitável".

Outra declaração forte proveio da Mauritânia pelo Grupo Árabe rejeitando "categoricamente" o relatório.

Marrocos falou pela OCI afirmando que o relator tinha violado o seu "mandato e o código de conduta" e que fez uma tentativa de "redefinir" o direito à educação, concluindo que "a OCI não pode aceitar este relatório".

Depois de toda esta emoção, o delegado da União Europeia emitiu uma declaração vaga enquanto o representante do Reino Unido tentou na verdade defender o relatório e opor-se aos "atacantes".

Então, naquele que deve ter sido o discurso mais curto alguma vez apresentado na ONU, o representante dos EUA despendeu menos de um minuto a apoiar o direito à educação, mencionou que a United States Agency for International Development (USAID) gastou mais de 1 bilião de dólares em educação, discordou com algumas das conclusões do relatório e afirmou que "não existe acordado internacionalmente nenhum direito humano referente à educação sexual".

Apesar de esmagadoramente rejeitado por muitos países, este documento sobre o "direito à educação (sexual)" permanecerá nos registos da ONU, talvez para vir a ser mencionado em futuros documentos da ONU por aqueles partidários que estão interessados em promover os mesmos "direitos" inexistentes.

A ONU claramente não versa só a promoção de paz e desenvolvimento. Também trata de defender a desordem sexual que claramente viola a dignidade humana.

(Vincenzina Santoro, economista, representa a Associação Americana para a Família de Nova Iorque, na ONU)
Artigo original em inglês em www.mercatornet.com, em português em www.aceprensa.pt

segunda-feira, novembro 29, 2010

A pior ameaça ao casamento não é o divórcio

A pior ameaça ao casamento não é o divórcio, mas a coabitação, o "juntar-se". Quem o diz é Jill Kirby, porta-voz do Centro de Estudos Políticos, em Inglaterra.


O declínio do casamento é obviamente preocupante, reconhece, mas a coabitação é estruturalmente frágil. O que terá um impacto mais sério nas crianças do futuro não é só o divórcio, mas sobretudo ter pais que começam e acabam um número indeterminado de relacionamentos em que o casamento não é sequer um factor.


Muitas mulheres de 40 e 50 anos irão viver sozinhas, por vezes depois de um ou dois relacionamentos, mas sem nunca terem casado, com tudo o que isto implica do ponto de vista financeiro e emocional.

segunda-feira, novembro 22, 2010

Pais: mexam-se!!!

«À Plataforma-RN tem chegado a informação, transmitida por diversos pais e encarregados de educação, que algumas escolas se negam a ter em conta a indicação dada pelos pais/encarregados de educação, por carta, no sentido de não autorizarem a participação dos filhos, em qualquer aula, acção ou aconselhamento relativo a “educação sexual”, sem o seu acordo por escrito, atempadamente solicitado pela escola.

O inevitável, começou a acontecer. Aquando da publicação da Lei 60/2009 de 6 de Agosto, a Plataforma em comunicado alertava para:
“Até agora a tensão situou-se em torno dos órgãos decisores. Em diante, a tensão vai contaminar as escolas, as salas de aula, as famílias.” (Clique aqui se quiser ver comunicado na íntegra).

Posto isto, é chegada a altura de deixar bem claro que, nesta matéria em que entra em jogo a visão do que é o homem e a mulher, as escolas não podem seguir uma ideologia, mesmo que venha do Ministério da Educação. Por isso, é a altura de se lembrarem que às entidades educativas (a começar pelas públicas) apenas cumpre colaborar com os pais na educação dos filhos, nunca podendo elas impor-se aos pais nestas matérias.» (
...)

quarta-feira, novembro 10, 2010

liberdade de escolha educativa: cada vez mais urgente

No Forum para a Liberdade de Educação:

« A Urgência da Autonomia Curricular

Cortes orçamentais justificam o fim das disciplinas de Área de Projecto e Estudo Acompanhado. Ambas, foram introduzidas no currículo obrigatório, como disciplinas de favorecimento da igualdade de oportunidades. AP, a bandeira contra a escola tradicional, uma disciplina inovadora que permitiria trabalhar em transversalidade as várias disciplinas, um espaço para ensinar os alunos a pensar e a fazer, cultivando o empreendedorismo, a criatividade e o relacionamento social. EA, espaços de apoio aos alunos com maiores dificuldades, um espaço para se ensinar a estudar e de auto-conhecimento, de consolidação de conhecimentos e prevenir dificuldades.

Tal, como terminam abruptamente, a eito, nasceram de uma imposição central, cega, para todas as escolas de Portugal.

É certo, que houve casos em que estas disciplinas pouco acrescentaram aos projectos educativos das escolas. Mas, muitas escolas, aproveitaram a oportunidade duma disciplina com total autonomia, sem sujeição aos manuais impostos para fazerem obra espectacular, fora da sala de aula! Desenvolvem-se projectos de escola valiosíssimos e que permitiram a alguns alunos fazer descoberta em diversas áreas, quer pedagógicas, quer social. A sociedade civil, também, se mobilizou e surgem diversas entidades como a Junior Achievment, a EPIS, o projecto Educação para a Cidadania, O Porto de Futuro apenas para citar alguns de apoio às escolas mais carenciadas. Projectos que dinamizaram a relação de pertença à escola tanto com os alunos como com os pais.

Volvidos poucos dias sobre o anúncio do fim destas disciplinas, recebemos a notícia de que os guiões pedagógicos sobre educação financeira estão prontos para serem distribuídos aos professores do ensino básico, que receberão formação profissional para esta nova disciplina, provavelmente, de carácter obrigatório para todos. Educação financeira para o básico, fará sentido no ensino básico e para todas as escolas?

Expliquem-nos em que circunstâncias estas disciplinas trazem valor para a aprendizagem dos alunos? Em que casos devem ser ensinadas na escola? Porque será que as escolas não têm autonomia para decidir que disciplinas integram o seu projecto educativo? Porque se retira aos pais a liberdade de escolherem entre a escola que tem área de projecto, estudo acompanhado, educação financeira, ou que opta por ter mais literatura, mais matemática, filosofia, religião ou artes?

Nunca como agora o debate sério sobre da Escolha da Escola foi tão fundamental! O ME administra as “suas” escolas estatais, aparentemente, sem coerência, impondo às cegas e cortando a eito em todo o universo escolar, seguindo um modelo único e burocratizado. Empobrece a oferta educativa, a diversidade curricular entre as escolas e reduz a sua autonomia. Aos pais portugueses, asfixiados com as dificuldades económicas, o direito de escolha em Portugal resume-se à escolha entre duas escolas estatais semelhantes. Os mais desfavorecidos estão cada vez mais fracos, a injustiça social agrava-se em Portugal. A escolha da escola requer urgentemente uma análise empírica, liberta de demagogias.»

segunda-feira, novembro 08, 2010

Os impostos sobre a pobreza

No Diário de Notícias, em 31 de Outubro:

« A Associação Portuguesa de Famílias Numerosas (APFN) já recebeu vários pedidos de ajuda desde que foram anunciados cortes nos abonos, um apelo que levou esta organização a pedir mais descontos às empresas.

"Da nossa parte temos tentado obter cada vez maiores descontos junto de empresas, mas quanto às medidas do Governo, não podemos mesmo fazer nada. Dizemos que as famílias não têm que se queixar a nós, têm que se queixar a quem o fez", afirmou o presidente da APFN.

Para Fernando Castro esta medida é um "desastre" para as famílias, para quem o "ordenado acaba cada vez mais cedo antes de acabar o mês".

Esta é uma medida "em linha" com as medidas que "o Governo tem vindo a tomar contra a família e a natalidade", afirmou, sublinhando que praticamente nenhum país da União Europeia adoptou esta medida nos seus planos de austeridade.

"Os países a sério sabem que o dinheiro que se gasta com as crianças é um investimento e quando se corta aí, está-se a cortar no crescimento, no futuro", acrescentou.

Reportando-se aos últimos dados estatísticos disponíveis, relativos a 2009, Fernando Castro lembra que Portugal é o único país europeu que "tem vindo a bater todos os mínimos absolutos na taxa de natalidade".

"O abono era mais uma ajuda. A isto se chama solidariedade entre gerações: a população activa ajuda a rapaziada que vai ser a população activa do futuro e que vai poder pagar as reformas dos que estão a contribuir agora. Em quantas gerações quer este Governo acabar com o país?"
, criticou.

Fernando Castro citou o exemplo de França, um país que "tem vindo a aumentar a taxa de natalidade e que, apesar dos vários cortes introduzidos para equilibrar as contas públicas, manteve o abono de família".
(...)

quarta-feira, novembro 03, 2010

respostas à crise

Luísa Shimdt, no Expresso:

(...) «Depois do desastre não tem faltado quem pregue sobre ele. Mas há muito tempo que vinham sendo lançados alertas sobre a (in)viabilidade do sistema económico e financeiro em que a nossa euforia assentava... E não só económica e financeira; também ambiental e ético-social.

É desses avisos antigos que convém agora tirar a lição tardia - uma lição que anda toda em redor da palavra 'sustentabilidade'.



O crédito de alto risco era insustentável. O sistema financeiro que dançou nesse arame era insustentável. A pressão crescente sobre os recursos naturais era insustentável. A omissão eterna da fome e da pobreza era insustentável. O modelo de consumo que todas estas insustentabilidades alimentavam era - e é - insustentável...


A crise não se resolve, assim, apenas com manobras monetárias. Porque esse é apenas um lado da questão. A crise resolve-se saindo dela. Ou seja, saindo do modelo de vida que a produz e que lhe é inerente. Por isso, a grande oportunidade que a crise nos dá está em obrigar-nos a sair dela.

Confrontados com essa necessidade, os países desenvolvidos - e particularmente a UE - viram-se cada vez mais para a implementação de um modelo de economia mais inteligente. (...)

Uma redefinição de prosperidade em termos modernos, distanciada da bulimia e da obesidade das sociedades de consumo rudimentar.

Viver na vertigem de consumir cada vez mais mercadorias mais baratas e menos duradouras não aumenta o estado de satisfação das pessoas com a vida. Há um nível a partir do qual a espiral de consumo perde eficiência na produção de bem-estar, sendo que, lá longe, não parou de produzir mal-estar a outras sociedades e aos seus recursos naturais.


Não se trata, claro, de suspender o consumo, o que acarretaria uma ruína tão má ou pior do que aquela em que estamos a cair. Mas sim de gerar novos horizontes de consumo - não só ao nível dos bens, mas também da forma como eles são consumidos. Trata-se de uma nova cultura de consumo mais sofisticada, menos viciada nas montanhas de produtos inúteis e na espiral de consumo que nos levou ao irremissível endividamento com que a crise nos traz à coleira; uma cultura de consumo ambiental e socialmente motivada que implique mais incorporação de conhecimento e de inovação.


Destacam-se também as propostas para uma ativação efetiva da economia com um crescimento de perfil diferente, desdobrando novos sectores económicos com lógicas energéticas e ambientais muito mais desenvolvidas e socialmente mais justas. Muitas propostas alvitram, aliás, curiosamente, sentidos muito favoráveis à condição portuguesa: apontam para uma importância crescente da fruição de valores culturais, ambientais, societais, reduzindo a pressão sobre recursos e apostando nas energias renováveis, reforçando a coesão e a harmonia social.

Apontam para a criação de produtos simultaneamente excelentes e simples, revalorizando, por um lado, os contextos locais e, por outro, a enorme incorporação de conhecimento científico, sem terem que envolver pesadíssimas indústrias na sua fatura.

Apontam para os valores e espaços públicos e cívicos de uma vida cultural elevada, ativa e coletiva - incluindo as atividades performativas, as indústrias culturais e a economia dos patrimónios (construído e natural) e a reabilitação urbana com eficiência energética. Tudo coisas em que os valores de base se encontram dentro do próprio país; não precisam de ser importados e não correm genericamente grande risco de abalar daqui para fora.
(...)

Com uma prosperidade assente num crescimento de tipo diverso cujo objetivo seja não necessariamente ficar maior, mas ficar diferente e melhor. » (...)

terça-feira, novembro 02, 2010

Quem tem medo da liberdade?

No Forum para a Liberdade de Educação:

«Continuamos, hoje, a ser tão incapazes para escolher a escola dos nossos filhos e o respectivo
projecto educativo, como o eram os nossos antepassados, há 100 anos?
A comemoração do Centenário da República permitiu a muitos portugueses revisitar a nossa História no século passado. A distância de 100 anos permite uma análise mais objectiva e menos apaixonada dos factos e da forma como as políticas então desenvolvi
das se vieram a manifestar na sociedade actual. Importa, pois, tirar lições da História.

Uma das medidas da Primeira República foi a da não consagração do direito de voto aos cidadãos analfabetos. Argumentava-se que a sua incapacidade em ler e escrever suprimia a sua capacidade para decidir em liberdade. Ou seja, a incapacidade de ler e escrever servia de argumento para retirar um direito político essencial em qualquer verdadeira democracia.

À distância de 100 anos, a análise histórica mostra-nos que a razão subjacente àquela limitação do direito de voto mais não foi do que um argumento, estrategicamente delineado, que permitisse diminuir o peso eleitoral do voto das zonas rurais, onde o analfabetismo era mais generalizado. Ou seja, esta medida política não foi mais do que uma máscara para iludir uma medida com objectivos antidemocráticos bem definidos.

Hoje, 100 anos depois, é, curiosamente, o mesmo argumento que vemos brandido como justificação para a não consagração do direito fundamental dos pais de escolherem a escola com o projecto educativo que entendem ser mais adequado para os seus filhos. Proclama-se, com a mesma arrogância da Primeira República, a incapacidade de grande parte das famílias portuguesas de fazer esta escolha. Argumenta-se que instituir essa possibilidade redundaria no agravamento da actual situação social, já que só algumas famílias estariam capazes de fazer uma escolha em liberdade.

O Estado, auto-legitimado por este argumento, mantém e acentua o domínio das escolas em Portugal e perpetua um sistema de escola oficial em que é o próprio Estado que, substituindo-se aos pais, se arroga o direito de escolher a escola e o projecto educativo para os nossos filhos, de acordo com critérios difusos e, muitas vezes, ideologicamente comprometidos.

Continuamos, hoje, a ser tão incapazes para escolher a escola dos nossos filhos e o respectivo projecto educativo, como o eram os nossos antepassados, há 100 anos, para escolher quem os governaria?

Ou será que o Estado mantém a mesma máscara antidemocrática?» (...)

segunda-feira, novembro 01, 2010

direito à eliminação

No Público de 31 de Outubro:

«O Supremo Tribunal de Justiça espanhol condenou uma administração regional de saúde e um laboratório a pagar uma pensão mensal vitalícia a uma criança nascida com síndrome de Down e, ainda, uma indemnização de 150 mil euros aos pais. Quer a pensão, quer a indemnização, são uma compensação pelo nascimento "indevido" do filho, que teria sido abortado se os pais tivessem conhecido a sua deficiência, a tempo de interromper legalmente a respectiva gravidez.

Contudo, a negligência do laboratório impediu detectar o mongolismo da criança, pelo que se deu o seu "indevido" nascimento. Mas o dito supremo tribunal decidiu não só responsabilizar os organismos de saúde responsáveis pelo desconhecimento dessa penosa malformação congénita, como também indemnizar os pais pelo facto de, por este motivo, a não terem podido abortar.»

(...) « O Supremo Tribunal de Justiça hispânico, ao proceder deste modo, está na realidade a reconhecer um pretenso "direito à morte" do filho deficiente, o que, em termos práticos, implica a institucionalização jurídica do parricídio como um direito - talvez algum dia elevado à condição de direito fundamental ou, até, do mais desumano dos direitos humanos - e uma consagração jurídica do princípio da exterminação dos seres humanos portadores de graves limitações.»

(...) «Qualquer que seja a resposta a estas questões, uma coisa é certa: se, para o ordenamento jurídico, alguém inocente pode viver "indevidamente", então não há ninguém que possa viver "devidamente" e a vida é, juridicamente, não um direito inalienável da pessoa humana, mas tão-só mais um interesse em jogo e, como tal, transaccionável.» (...)

(Gonçalo Portocarrero, no Público, em 31 de Outubro de 2010)

sábado, outubro 30, 2010

criancices ...

JPP, no Abrupto:

«Por falar em “Magalhães”, lembram-se do computador azul? Pois deviamos todos lembrar-nos, porque este foi outro exemplo do desperdício gigantesco do primeiro governo Sócrates, em mais um “programa bandeira”, mal pensado, feito à custa de milhões e milhões, e cujos resultados em termos pedagógicos também deveriam ser estudados.

Na literatura académica internacional somam-se os estudos sobre o efeito pernicioso de introduzir naquela idade e com aqueles objectivos, computadores individuais, e as primeiras estatísticas mostram uma quebra de rendimento escolar. Se o “Magalhães” tivesse tido sequer 5 minutos de consideração pedagógica, talvez se tivesse utilizado melhor o dinheiro que se gastou. Mas não, foi tudo meia bola e força para o Primeiro-ministro andar a oferecer os computadores nas escolas com a televisão atrás.

Convinha saber agora onde estão os muitos milhares de "Magalhães", quantos estão ainda a funcionar e, desses, quantos ainda tem um vislumbre de utilização pedagógica.

É que, como se passa nestes “programas bandeira” feitos sem preparação e sem estudos, não se previram coisas tão simples como as avarias num computador que não é fácil de reparar. É que, a qualquer escola que se vá, e quando se pergunta pelos "Magalhães" que ainda estão em uso, a resposta é, com as habituais e rara excepções, ... apenas uma pequeníssima parte. E este foi mais uma das coisas que custou milhões e milhões e milhões.»

quinta-feira, outubro 28, 2010

O seu filho vai ao Pavilhão do Conhecimento?

O seu filho vai ao Pavilhão do Conhecimento? Vai mesmo?

As escolas do país começaram a organizar visitas ao Pavilhão do Conhecimento. Vão querer que o seu filho visite a exposição "Sexo... E então?". Quer saber como é? – Veja esta Reportagem SIC.

Reparou? O seu filho entrará em zonas "vedadas a adultos". Vedadas porquê?

– Não há respostas porque "pai não entra".

De novo, o sexo como clandestinidade, contrabando à socapa dos pais, fora das fronteiras da família. Apenas ferramenta polivalente e flexível, e – isso sim - cuidadosamente higienizada.

Pais, sejamos firmes. Somos nós quem sabe o que é melhor para os nossos filhos.

PROTEJA O SEU FILHO: escreva à sua escola ->

Carta pronta a enviar

Com pena, informamos que uma empresa se quis colocar do lado desta acção hostil às famílias.

segunda-feira, outubro 25, 2010

poupança imediata

O Ministro das Finanças desafiou o país a encontrar possíveis cortes eficazes na despesa pública que simultaneamente:
- minimizem o aumento de impostos;
- minimizem a redução salarial.


Sugerimos algumas medidas concretas:

1. Extinguir o subsídio social na maternidade nos casos de interrupção voluntária da gravidez (cfr. Dec-Lei 105/08). Se foi retirado o abono de família para casais que ganham 800 euros/mês, porquê manter um subsidio de maternidade a quem não quis/pode querer a maternidade?
2. Cobrar pelo segundo e subsquentes abortos.
Aumentam as mulheres que fazem do aborto um contraceptivo, contra a lei da interrupção voluntária da gravidez. Quem aborta por planeamento familiar deve pagar com o seu dinheiro, e não com o dinheiro de todos.
3. Liberalizar a Educação sexual
A recente Lei 60/2009 implica supérfluos custos de formação e contratação de professores, materiais, entre outros. Torna a disciplina opcional reduzirá enormemente as respectivas despesas.

O impacto destas 3 medidas é imediato
.
Segundo um estudo[1] recente da Federação Portuguesa pela Vida, nos últimos 3 anos o Estado desperdiçou mais de 30 milhões de euros com abortos a pedido da mulher, ou seja, cerca de 10 milhões de euros anuais. As medidas 2 e 3 acima indicadas reduziriam drasticamente esse valor, e corrigiriam o previsível futuro agravamento pela tendência de aumento dos abortos anuais em Portugal.

(Comunicado da InFamilia, Braga, 25 de Outubro de 2010.

Participar: é a hora dos pais e dos cidadãos!


Exmo. Senhor
Presidente do Conselho de Administração do Finibanco
finidirecto@finibanco.pt
Assunto: protesto.
O Finibanco é o patrocinador oficial da exposição “Sexo... e então?!” a decorrer no Pavilhão do Conhecimento.


Acreditem: nós gostamos de explicar aos nossos filhos as coisas simples e as coisas complicadas.
As coisas simples: por exemplo, como é que se faz o pão. E as complicadas: um dia teremos de explicar, por exemplo o sistema bancário, o cross-selling, o crédito para habitação, e, porque não?, o sexo, o amor, etc.

Talvez o mais complicado vai ser explicar como é que o FINIBANCO se pôde permitir o infeliz gesto de participar numa exposição que reduz o valor do sexo.
Desliga-o do amor estável, e pretende para ele sobretudo um valor polivalente e flexível com elevado grau de higienização.

Talvez com um pouco de exagero, mas não sem razão, R. George, professor de Princeton escreveu:
"Os grupos privados de educação sexual promovem de forma agressiva uma ideologia de irresponsabilidade sexual enquanto fingem estar preocupados com a saúde e segurança dos jovens. A verdade é que subtilmente (e às vezes não muito subtilmente) ao encorajar e facilitar a actividade sexual dos jovens, os "técnicos de educação sexual" colocam em perigo a saúde emocional e física das crianças. É tempo de se chamar a esse tipo de educação sexual aquilo que ela é: aulas de doutrina numa religião cujo único mandamento é a libertinagem".

Em nome do bem dos nossos filhos, divulgaremos este desconforto e esta pena. Talvez outras pessoas se queiram associar.

Creiam-me gratos pela atenção dispensada.
Atenciosamente,

Ana Paula e Artur Mesquita Guimarães

Obs.: somos pais de seis filhos.

http://www.finibanco.pt/portal/F_Contactenos.html?menu=Institucional
http://www.finibanco.pt/portal/F_Inst_OrgaosSociaisFinibanco.html

domingo, outubro 10, 2010

educação: os factos e os mitos urbanos

«EDUCAÇÃO SEXUAL: 6 MITOS E 6 FACTOS


Mito 1: Portugal tem a 2ª maior taxa de gravidez adolescente da Europa.

Facto 1: Portugal não tem a 2.ª maior taxa de gravidez adolescente. Piores, por exemplo, estão a França, a Dinamarca, a Suécia, a Noruega, a República Checa, a Islândia, a Eslováquia, o Reino Unido (mais do dobro de Portugal), e a Hungria (o triplo). Já agora, nos EUA, o maior consumidor e exportador de educação sexual, a taxa é 4 vezes maior que a portuguesa.



Mito 2: Os conteúdos de educação sexual são totalmente científicos.

Facto 2: A biologia da reprodução, infecções sexuais (IST) e contraceptivos são matérias leccionadas há décadas. Que transmite então a educação sexual? Uma espécie de revolução sexual tipo Maio de 68, mas para crianças. Num livro divulgado em todas as escolas, propõe-se que alunos de 12 anos debatam em aula as seguintes questões: «Já fingiste um orgasmo?», «Descreve-me a tua primeira experiência sexual», «Tens fantasias sexuais?», «O que te excita sexualmente?». Mais de mil escolas compraram material que propõe: masturbação solitária, em grupo, mútua. No Minho, um professor foi punido por recusar usar um livro que, entre outras coisas, propunha às crianças desenhar o corpo e as partes onde gostam de ser tocadas. No mesmo livro diz-se que as crianças precisam de conhecer «o vocabulário médico (pénis, vagina, relações sexuais), calão (f..., con..., car...)».



Mito 3: A Educação Sexual está cientificamente fundamentada nas ciências da educação e psicologia. Ora, os pais não são técnicos.

Facto 3: Os materiais de educação sexual usam abundantemente os ‘jogos de clarificação de valores’ de Rogers/Coulson e os ‘dilemas morais’ de Kohlberg, cientistas famosos. E, de facto, os pais comuns desconhecem essas teorias. Mas note-se que Rogers/Coulson afirmaram ser muito perigoso expor crianças às suas teorias. E Kohlberg concluiu das suas experiências na Cluster School que «As minhas ideias estavam erradas. O educador deve transferir valores e comportamentos, e não apenas ser um facilitador ao jeito de Sócrates ou Carl Rogers». Que aconteceu, entretanto, na Cluster School? «Esta escola serviu para gerar ladrões, mentirosos e drogados, apesar de a escola ter apenas 30 alunos e contar com 6 professores e dúzias de consultores».



Mito 4: A eficácia da educação sexual, na prevenção da gravidez e do contágio de doenças, certamente foi avaliada cientificamente.

Facto 4: Não é verdade: na educação sexual escasseia o trabalho científico. Mais de 30 anos após o lançamento da educação sexual nas escolas dos EUA, Kirby tentou uma meta-análise sobre a eficácia dos programas e encontrou apenas 23 estudos com um mínimo de qualidade. Neste momento só é certo que: 1. Nenhum modelo é consensual; 2. Continua por provar que exista um modelo de ‘sexo seguro’ que diminua a gravidez adolescente e o contágio de ISTs.



Mito 5: A Educação Sexual deve ser obrigatória, tal como a Matemática é obrigatória.

Facto 5: A Matemática é obrigatória porque é exigida pela realidade. Um engenheiro precisa do cálculo diferencial, e por isso precisa de saber derivar. Quem opta por não ter Matemática a partir do 9º ano está a optar por não ser engenheiro. Mas quem prescinde do ‘Maio de 68 para crianças’ renuncia a quê? Às convicções sexuais do professor de Educação Sexual.

A maioria dos pais ignora as convicções pessoais do professor de Matemática. Mas será que um ateu aceitaria, para professor de Educação Sexual do filho, um padre? E quantos casais aceitariam um activista gay? No modelo actual tudo isto pode (vai) acontecer, sem que os pais possam impedir.



Mito 6: Os jovens têm actividade sexual e é preciso ajudá-los a praticar sexo seguro sem o risco da gravidez ou ISTs.

Facto 6: Qual é a segurança do ‘sexo seguro’? A OMS declarou, em 2005 e 2007, que os contraceptivos hormonais combinados são cancerígenos nos seres humanos (grupo 1, o máximo). Onde estão os materiais sobre ‘sexo seguro’ que referem isso? Quem informa as adolescentes de que o risco de desenvolver cancro é máximo em quem toma a pílula durante 4 anos antes da primeira gravidez de termo? E quem alerta quanto à ineficácia do preservativo para evitar o contágio de praticamente todas as IST? E quem diz às crianças que a intimidade sexual é muito mais que prazer, químicos e borrachas?

Mas os pais que não querem filhos expostos a estes riscos nada podem fazer. A partir desta altura haverá nas escolas gabinetes a proporcionar contraceptivos aos alunos sem conhecimento dos pais.

(João Araújo, Professor Universitário, publicado no SOL, 08. 10. 2010)

segunda-feira, setembro 20, 2010

adultos infantis, crianças mandonas


«Miúdos cada vez mais dependentes e mandões»
No Sol, em 20 de Setembro de 2010

"As crianças portuguesas são cada vez menos livres e menos autónomas, mas capazes de comandar a família, defende a Sociedade Portuguesa de Pediatria (SPP), lamentando a falta de tempo e espaço para os mais novos de hoje brincarem

O presidente da SPP assume a dificuldade em falar do estado da infância em Portugal pela disparidade de realidades, mas considera que a sociedade actual é feita de «adultos egoístas e infantilizados e de crianças sabidas».

«O pequeno ditador saiu dos livros para a realidade, hiperactivo e desatento, decidindo os consumos da família, inundado em calorias, com televisão no quarto e playstation move na sala, uma das únicas oportunidades de actividade física», comenta Luís Januário à agência Lusa.

Duas décadas depois de Portugal ter ratificado a Convenção sobre os Direitos da Criança, data que se assinala na terça-feira, o pediatra retrata as cidades portuguesas como um obstáculo às brincadeiras na infância.

«As cidades foram bombardeadas pela união nacional dos autarcas e dos empreiteiros que liquidaram os quintais, as matas, os olivais, os pinhais, as praças e os terreiros. As ruas e as passadeiras são perigosas e os passeios estão destruídos ou transformados em parque automóvel», descreve.

Também o conceito de tempo livre tem sofrido transformações, com a redução dos períodos para brincar e sem que as crianças sejam ouvidas.

Também a psicóloga clínica Lara Constante vê a «demasiada estruturação dos tempos livres das crianças» como uma diferença marcante em relação há 20 anos.

«A maior parte das crianças que acompanho tem um horário muito sobrecarregado de actividades, algumas sem um único dia verdadeiramente livre, em que possam brincar como entendam, criar, desenvolver-se», conta.

Mesmo os tempos fora da escola são demasiado estruturados. Fica assim a faltar criatividade nas brincadeiras e capacidade para inventar o que se faz no tempo livre.

«As crianças tornaram-se também mais dependentes, mesmo nas brincadeiras. Têm mais dificuldade em relacionar-se socialmente e em verbalizar os afectos», acrescenta a psicóloga infantil.

Há 20 anos, a vida familiar era diferente e havia uma comunidade próxima mais disponível para ajudar a ir educando as crianças.

Actualmente, a sobrecarga profissional dos pais e de muitos avós fá-los ceder mais facilmente à imposição dos filhos, enquanto a culpabilização pela falta de tempo é trocada por presentes: «Nota-se uma grande dificuldade em estabelecer uma sintonia entre mimo versus regras».

Contudo, em duas décadas a criança beneficiou também da evolução da sociedade.

«O ensino pré-escolar é frequentado por um número cada vez maior de crianças. Entrar numa escola aos três anos traz muitos benefícios, até porque é a altura em que se começa a desenvolver o relacionamento social», refere Lara Constante.

Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), em 1990/91 a educação pré-escolar não obrigatória abrangia cerca de metade das crianças entre os três e os cinco anos, enquanto em 2007/2008 já cobria 80 por cento.

Luís Januário alerta porém que há pouco de comum entre uma criança de um colégio privado no Porto ou Lisboa e outra cuja escola encerrou numa aldeia em Lamego.

«Há pouco em comum entre uma das 10 mil crianças institucionalizadas e uma outra vivendo com uma família que a estima. Entre uma criança com os pais desempregados e outra com pais economicamente estáveis. Entre um filho de emigrantes de uma minoria linguística e outro cujos pais escrevem em português segundo o novo acordo ortográfico. Entre uma criança negligenciada ou maltratada e outra que é acarinhada», exemplifica."

terça-feira, setembro 14, 2010

Cresci num lar homossexual

Republiquei esta mensagem de Novembro de 2009 dado que continua actual:

“O meu nome é Dawn Stefanowicz. Cresci num lar homossexual, entre os anos 60 e 70, em Toronto [Canadá], em contacto com a cultura GLBT (gays, lésbicas, bisexuais, transexuais) no meio das suss práticas sexuais explícitas”.

Assim começa este livro, autobiográfico: Out From Under: The Impact of Homosexual Parenting (Annotation Press, 2007), algo assim como "sair do invisível: o impacto da adopção homosexual".

A autora diz que se "está a ignorar as crianças no debate actual sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo".

O livro já foi comentado por Gerard Van Aardweg, psicólogo e professor de Psicologia em Amsterdão, Holanda, autor de estudos sobre a questão:

«Se se quer conhecer a verdade sobre a paternidade gay, é necessário recorrer à observação de dados no terreno. Descrições da vida quotidiana, com pares homossexuais, durante vários anos; exames do comportamento crianças e adultos, em interacção recíproca; observações que cubram um período alargado do desenvolvimento afectivo e da personalidade das crianças em causa».

«Há duas vias para conseguir isto: fazer inquéritos às pessoas que lidaram de perto com estas situações, ou questionar as pessoas que viveram neste ambiente acerca das suas recordações.
É neste segundo grupo que se apresenta este livro.»

Dawn, actualmente com 40 anos e mãe de duas crianças, conta a suas experiências de infância numa família marcada pela homosexualidade activa do seu pai.

Dawn fala da sua mãe como uma pessoa tímida, débil, passiva, cúmplice das andanças do marido. Ele não demonstrava afecto pela esposa. Tratava-a como uma criada, para "cozinhar, fazer a limpeza" e "satisfazer as necessidades e caprichos" do marido.

Dawn queixa-se da sensação de falta de afecto do pai, e da necessidade que sentia de que ele lhe desse segurança. O mundo do pai, na sua visão, estava centrado nas relações homossexuais e tudo o resto ficava subordinado a esta sua paixão. Os filhos estavam em segundo plano. Todos eles tinham problemas de comportamento.

Lembra-se de que os parceiros masculinos do seu pai passavam temporadas lá em casa, meses e anos, por vezes. Que eram vários e cada um, por sua vez, "tinha uma enorme quantidade de parceiros anónimos, e dedicavam-se a práticas sexuais muito variadas, sexo em grupo incluído". Dois dos parceiros do seu pai suicidaram-se pouco tempo depois de se terem separado.

"Aquela situação de homossexualidade sem freio parecia-me uma traição, que tinha frustrado para sempre qualquer esperança de felicidade na nossa família".

Esta mulher refere que lhe dói a situação do seu pai, morto de SIDA aos 50 anos, mas quer fazer compreender, a quem tem poder de decidir, a dor e o sofrimento dos menores que vivem nestas situações.
Diz no seu sítio web que "ao fim e ao cabo, são as crianças as vítimas reais e os perdedores da legalização do casamento homosexual".

quarta-feira, agosto 04, 2010

Dirigismo: salazarista, leninista, socratista


«Os alegados defensores da escola pública são os seus maiores inimigos.

Porque não respeitam alunos e famílias.
Estamos na última semana de Julho e há pais a receber em casa cartas a dizerem-lhes que os seus filhos vão mudar de escola. A darem-lhes - teoricamente - a oportunidade de se manifestarem contra essa mudança. E cartas que são assinadas por entidades cuja designação faz lembrar o gonçalvismo: "comissões administrativas" nomeadas para os novos mega-agrupamentos. Comissões que, formalmente, só entram em funções a 1 de Agosto - mas que já estão a assinar cartas.

Isto que se está a passar um pouco por todo o país - desde as aldeias remotas do interior a concelhos das duas grandes áreas metropolitanas - não é incompetência e, muito menos, voluntarismo para "fazer andar as coisas mais depressa". Isto que se está a passar e está a desorganizar a vida de centenas, talvez milhares de escolas e de um número incalculável de famílias é apenas a mais recente manifestação de autoritarismo e centralismo do monstro da 5 de Outubro. Tudo porque no nosso sistema educativo os cidadãos valem pouco e os funcionários - sobretudo os funcionários mais papistas do que o papa - valem muito.

Tudo começou com duas ideias aparentemente boas: uma, a de que seria importante encerrar todas as escolas com menos de 21 alunos, pois, nestas, o grau de aprendizagem é pior e as crianças não socializam; outra, a de que se poderia gerir de forma integrada a rede de ensino, associando sob a mesma direcção os vários níveis de escolaridade.

É certo que qualquer destas ideias tem problemas. O principal óbice ao puro e simples encerramento de muitas microescolas é que estas são dos últimos sinais de vida em regiões do país totalmente desertificadas e envelhecidas. Perdendo a escola, não perdem apenas a companhia dos miúdos durante o dia, por vezes também perdem os seus pais. Por lá vive-se um definhamento que pagamos caro - que pagamos, por exemplo, nas vagas de incêndios florestais que enfrentamos todos os anos.

Já a teoria de que os mega-agrupamentos podem ser mais eficientes desafia experiências recentes em países como a Finlândia ou os Estados Unidos, que recomendam o regresso a escolas de "dimensão humana". Ora, de acordo com os dados oficiais, a média do número de alunos por mega-agrupamento é de 1700. Pior: muitos desses alunos estão espalhados por escolas diferentes, que perderam as suas chefias próprias e que agora foram reunidas porque, tal como fizeram com África as potências coloniais, os personagens de Kafka que habitam as Direcções Regionais de Educação pegaram na regra e no esquadro e trataram de cumprir as metas de "racionalização" definidas pelo poder central. Resultado: nos distritos de Viana do Castelo e de Aveiro ficaram no mesmo agrupamento escolas que distam 40 km entre si; no de Braga há um caso em que essa distância sobre para 60 quilómetros. Em muitos concelhos os mega-agrupamentos agrupam 20, 30, 40, 50 escolas diferentes e, pelo menos num caso, a demência foi ao ponto de juntar 63 escolas sob a mesma "comissão administrativa".

Vamos admitir, mesmo assim, que é bom eliminar todas as escolas com menos de 21 alunos e agrupar as escolas demasiado pequenas. Se existisse apenas esse objectivo, o processo teria de decorrer exactamente ao contrário. Nunca poderia ser uma direcção regional a convocar os directores das escolas e a ordenar-lhes o que deviam fazer. Nunca poderia comunicar-lhes que agora iam "fundir-se" e que, ou se entendiam sobre a nova "comissão administrativa", ou ela decidiria por eles. Nunca poderia ignorar por completo os pais. Nunca poderia tratar as autarquias locais como parceiros menores. Nunca poderia deixar de prestar contas sobre, por exemplo, quanto dinheiro se poupa com a reestruturação e quanto se gasta, depois, em transportes escolares.

Não é só grave o atabalhoamento legal, que poderá levar pais e autarquias a desencadearem providências cautelares que tornarão ainda mais caótico o regresso às aulas. Não é só grave terem-se dissolvido arbitrariamente órgãos de gestão eleitos há poucos meses, e após um processo de envolvimento das comunidades que nem sempre foi fácil. Não é só grave reinar a opacidade, recusando-se o ministério a entregar a lista das escolas que vão fechar apesar de proclamar que serão (reparem na exactidão) 701. O que se passou e vai passar assusta porque revela, mais uma vez, um ministério que funciona de forma tão "iluminada" como autista. Um ministério para quem a realidade não passa de um empecilho à célere concretização das suas medidas esclarecidas.

Mas tudo isto podia ser bem diferente. Imaginem, por exemplo, que o ministério não tinha poder sobre as escolas, que apenas as podia fiscalizar e assegurar padrões mínimos de aquisição de conhecimentos realizando exames nacionais. Imaginem que as escolas eram responsáveis perante os seus utilizadores: os alunos, os pais, as comunidades locais, os educadores. Imaginem que tinham real autonomia e, face a um orçamento, procuravam fazer o melhor e, naturalmente, ter o maior número de alunos. Imaginem que as autarquias eram verdadeiras parceiras, mais próximas e mais responsabilizáveis do que os burocratas do ministério. Imaginem que as escolas públicas tinham liberdade para encontrarem, nas comunidades mais pequenas, a melhor forma de atender as necessidades locais e, nas comunidades grandes, para concorrerem entre si pela excelência. Imaginem que o sistema não discriminava as escolas privadas e que, se uma criança de uma família pobre quisesse ir para uma escola privada, poderia levar consigo o dinheiro que custaria ao Estado a sua educação se continuasse numa escola pública.

Estranho Portugal seria esse onde os cidadãos seriam mais senhores dos seus destinos do que os burocratas iluminados. Estranho Portugal esse onde o império da cunha e da pequena aldrabice daria lugar a relações transparentes e fiscalizáveis. Estranho Portugal esse que se pareceria com a Suécia, com a Dinamarca, com a Holanda. Estranho Portugal esse onde não oscilaríamos entre o dirigismo salazarista, o dirigismo leninista e o dirigismo socratista. E que belo Portugal...

O que se está a passar este ano com o fecho das pequenas escolas e com os mega-agrupamentos é Portugal deste regime no seu pior. Desta vez, ao contrário do que sucedeu com a avaliação de professores, nem sequer existe uma boa causa, há só burocracia, centralismo e autoritarismo em nome de uns centavos. Desta vez, por causa da época do ano, quase não há reacções. Mas desta vez está-se, ao mesmo tempo, a dar uma terrível machadada na única reforma recente do sistema educativo que ia na boa direcção: a que dava mais autonomia e mais responsabilidade às escolas. Só que essa reforma era uma contradição nos seus próprios termos: Portugal é o país em que o "chefe" quer, pode e manda.

Felizmente nem todos amocham.»
José Manuel Fernandes, Público, 30 de Julho, www.twitter.com/jmf1957

sexta-feira, julho 23, 2010

Tão previsível ...

Notícia no Diário Económico: fecham este ano mais de 700 escolas do Ensino Básico, em Portugal.

Curiosamente, apesar de há longo tempo se ter diagnosticado o problema, continua a ignorar-se que sem crianças, não há desenvolvimento. Para que nasçam crianças, é preciso ter políticas de família que apoiem os casais com filhos.


O Inverno Demográfico é também um problema ambiental, de ambiente humano, que tem consequências mais imediatas, e mais previsíveis do que os restantes.

quinta-feira, julho 15, 2010

Evidências


«Em 2006 -último ano do qual existem dados disponíveis- houve 71,5 gravidezes por cada 1.000 raparigas norte-americanas com idades entre os 15 e os 19 anos, o que significa um aumento de 3% em relação à taxa de 69,5 adolescentes de 2005.
Depois, os autores do relatório estabelecem uma correlação -bastante discutível- entre o aumento da taxa de gravidezes das adolescentes e os programas de educação sexual centrados na abstinência, impulsionados pela Administração Bush.

O relatório do Guttmacher Institute agitou a opinião pública norte-americana. Quase todos os meios de comunicação social concordam em que os resultados que revela são preocupantes. No que não concordam é na identificação da causa.» (...)

«A verdade é que, actualmente, os programas que promovem a abstinência sexual dos jovens estão sob suspeita. Para que possam optar por ser financiados por fundos federais, antes tem de se provar que a sua estratégia funciona.

Isto é o que acaba de conseguir um rigoroso estudo publicado na revista Archives of Pediatric & Adolescent Medicine (2-02-2010). Segundo o estudo, realizado por investigadores da Universidade da Pensilvânia, os programas de educação sexual centrados na abstinência conseguem persuadir muitos alunos a atrasarem o início da sua actividade sexual.

(...) este estudo conseguiu chamar a atenção dos mais cépticos. Segundo o Washington Post (2-02-2010), "pela primeira vez, existem provas claras de que um programa de abstinência pode funcionar". É significativo que esta notícia tenha estado durante vários dias entre as cinco mais lidas da sua edição on line» ... (citado por aceprensa)

Conciliar trabalho e família: o "problema" masculino

«Quando regressam ao trabalho depois da maternidade, as mulheres costumam pedir um horário reduzido ou flexível, coisa que poucos homens fazem quando têm um filho

O estudo, The New Dad: Exploring Fatherhood Within a Career Context, é de Brad Harrington, director do Center for Work and Family do Boston College, e dois colegas. Foi elaborado a partir de entrevistas a pais inexperientes: casados, com esposa que também trabalha fora de casa, um filho de três a 18 meses, título univer«itário e pelo menos cinco anos de percurso profissional. Tratava-se de averiguar como a paternidade lhes altera a vida.

Todos se mostraram contentes com a sua nova experiência e conscientes de que um filho requer muita atenção da sua parte. Estão dispostos a dedicar-se à família, pelo menos tanto como as suas esposas. Contudo, quase 60% dizem ter dificuldades sérias para conciliar lar e trabalho, segundo outra sondagem anterior do Families and Work Institute (2008). E o mais notável é que essa percentagem é maior do que a das mulheres, 42%. Em 1997 era ao contrário: 35% dos homens e 40% das mulheres.

A solução radical seria tornar-se dono de casa. Mas muito poucos pais questionados pensaram a sério nessa possibilidade, e descartaram-na, porque a família não poderia manter-se apenas com o ordenado da mãe. Isto contribui para que na grande maioria (70%) dos lares com pai, mãe e filhos nos Estados Unidos, os dois trabalhem fora, e quando não é assim, em quase todos os casos (97%), é ela que fica em casa. De qualquer modo, o motivo económico vai-se atenuando, pois já em quase um de cada quatro casais com dois ordenados, a mulher ganha mais do que o marido.

Menos flexibilidade laboral para os homens

Em todo o caso, para os que foram questionados ter um filho afectou claramente as suas atitudes. Ao sentir mais forte a chamada do lar, já não estão tão dispostos a exceder-se pela empresa. Ainda que digam que não houve uma mudança drástica nas suas aspirações profissionais, manifestam ter agora outra ideia do êxito, mais global e equilibrada. Também o ambiente profissional respondeu favoravelmente. A notícia do nascimento foi bem recebida por chefes e colegas; muitos dizem, inclusive, que têm superiores muito compreensivos com as maiores exigências domésticas que supõe a recente paternidade.

Mas as boas intenções de todos não têm muita repercussão prática.» (... em aceprensa, 6 Julho 2010)

quarta-feira, julho 07, 2010

O impossível casamento


«O casamento é a realização mais espantosa da humanidade. A mais utilizada forma de transmitir a existência e a única eficaz de transmitir a civilização. Que duas pessoas tão diferentes encontrem uma complementaridade fecunda para a vida e, através da sua união, dêem substância e continuidade à comunidade humana é sublime.

Mais ainda, uma descrição objectiva do que está implicado na vida quotidiana de um casal mostra a qualquer observador perspicaz que ele é formalmente impossível. As núpcias que permanecem não são as fáceis e sem problemas, porque essas não há. Todos os casamentos são impossíveis. Alguns simplesmente existem e persistem. Os casamentos que duram constituem a realização mais espantosa da humanidade.


O nosso tempo adicionou aqui uma dimensão. Em vez de o considerar como ele é, um bem precioso, frágil e essencial, decidiu procurar formas alternativas de transmitir a existência e a civilização. Sempre houve promiscuidade, adultério, divórcio, união de facto, consequências directas da impossibilidade do casamento.

Esta é a primeira época que admira e promove esses comportamentos, enquanto inova furiosamente em contraceptivos e procriação artificial. Além disso, desconfiando da capacidade dos pais para ensinar os valores básicos, entrega ao Estado ou ao mercado essa função. A doutrinação ideológica, mascarada ou não de educação, e os desenhos animados são as formas contemporâneas de transmitir a civilização.


A consequência disto, outra novidade, é a aparente derrocada conjugal. No caso português, a taxa bruta de casamento em 2008 foi de 4,1 por mil habitantes, metade da taxa de 1979 e pouco acima da taxa de divórcios, 2,5 por mil, que quadruplicou nestes 30 anos. Os nascimentos fora do casamento subiram de 8,2% em 1979 e 14,7% em 1990 para 36,2% hoje.

Muitos interpretam estes números como a obsolescência do casamento. Pelo contrário, o espantoso não é serem tão negativos, mas ainda serem significativos.

Considerando a campanha cruel, esmagadora e obsessiva que as últimas décadas moveram contra o casamento, o que surpreende é que tenha resistido como resistiu, e continue a ser a mais utilizada forma de transmitir a existência e a única eficaz de transmitir a civilização. A maior parte das instituições assim atacadas desapareceu.


Filmes, revistas, séries e jornais, junto com leis, políticas, discursos e programas, todos se uniram para evidenciar o que sempre se soube: o casamento é impossível. Não notam que, ao fazê-lo, serram o tronco onde se sentam. Esta louca insistência nas óbvias dificuldades matrimoniais, sem alternativas válidas, só pode ter um resultado: a decadência social. Não só a fertilidade atingiu na Europa níveis de extinção da espécie, mas a solidão, depressão, traumas infantis, agressividade, suicídio chegaram a níveis patológicos. Os esforços do nosso tempo para abandonar o casamento só conseguiram destruir-nos.
Esta atitude tem as suas razões. Nasce da reacção a um erro dos séculos anteriores, que por vezes desequilibrou as duas dimensões do casamento. Nas gerações precedentes, o elemento romântico e emocional da união dos esposos foi frequentemente secundarizado em favor da estrutura social. Os pais combinavam os noivos porque casamento era, antes de mais, futuro do clã, alianças genealógicas, interesses de herança. Paixão, amor e sexo eram exteriores ao vínculo nupcial. Não se deve exagerar esta situação, porque a maioria dos casamentos sempre foi normal, mas certos estratos enviesaram neste sentido.


As gerações actuais caíram no extremo oposto. Repudiam justa e fortemente este modelo mas absolutizam a liberdade e emoções conjugais.

Desprezando o casamento de conveniência e as alianças de clã acabam por abandonar o próprio casamento. O fundamentalismo erótico anula a relação ao primeiro obstáculo e chega a ridicularizar a procriação. Este modelo é tão desequilibrado quanto o anterior, mas, ao contrário dele, implica a extinção da sociedade. Porque o casamento, mesmo impossível, é o nosso único futuro.»

(No DN de 5 de Julho, J César das Neves, naohaalmocosgratis@fcee.ucp.pt)

segunda-feira, julho 05, 2010

uma certa "lógica"


(...) «A situação mantém-se há vários anos, pelo menos desde 2006. As mães trabalhadoras na ANA-Aeroportos de Portugal e que têm dispensa para amamentação perdem o prémio de assiduidade pago todos os trimestres pela empresa gestora dos aeroportos portugueses, pertencente ao Estado.

Em Portugal, o Código de Trabalho determina que as duas horas diárias de dispensa para amamentação ou aleitamento, consagradas na mesma lei, correspondem à "prestação efectiva de trabalho" e que não pode ocorrer qualquer perda de direitos, mas a companhia defende que, por se ausentarem uma parte do dia, estas trabalhadoras não devem receber essas "prestações complementares".» (...)

Notícia no Público de 5 de Julho.

No país do aborto, isto é "lógico". Até admira que ainda não se tenham lembrado de as multar!!! Curiosamente a Direcção Geral de Saúde, no seu sítio, recorda que «A protecção, promoção e apoio ao aleitamento materno são uma prioridade. As baixas Taxas de aleitamento materno ou a sua cessação precoce têm importantes implicações desfavoráveis para a saúde e estrutura social da mulher, da criança, da comunidade e do meio ambiente; além disso, resultam num aumento das despesas para o Serviço Nacional de Saúde, bem como no aumento das desigualdades em saúde».
Até emitiu recentemente (29-06-2020) uma Circular para os seus serviços, sublinhando isto mesmo e criando um registo (mais um ...) de amamentação.
Será que ainda temos um governo? Ou isto é mais uma situação de golden-share?

quinta-feira, julho 01, 2010

conforme previsto


No DN, de hoje:


«A nossa prática tem sido a de discutir os efeitos e as consequências dos fenómenos que vão ocorrendo nas sociedades sem qualquer valoração das respectivas causas, que permanecem ocultas ou num limbo. Como é da nossa natureza acreditar que compete ao legislador resolver essas questões. Liberalizar tornou- -se uma palavra de ordem e a invenção de uma agenda fracturante permitiu remeter para a via legislativa problemas incómodos e transformá-los em delirantes bandeiras ideológicas. Uma receita culturalmente manhosa para a dimensão das questões.

Eram já conhecidos indicadores preocupantes no que se refere ao aborto após a aprovação da lei, mas ficámos agora a saber, pela voz do presidente do Conselho Nacional de Ética, que os resultados vão no sentido oposto do que foi propagado pelos que promoveram a liberalização e viabilizaram a lei: 50% das mulheres que fazem aborto faltam à consulta de planeamento familiar obrigatória 15 dias depois; há mulheres que fazem, no Serviço Nacional de Saúde, dois ou três abortos por ano; o número de abortos aumentou de 12 mil para 18 mil em 2008 e para 19 mil em 2009.

São os riscos de legislar num clima de contenda ideológica sobre questões que têm a ver com a vida e a morte, com o respeito e a dignidade, com a responsabilidade individual e colectiva, com princípios básicos de civilização. Este núcleo duro foi e é o âmago da questão e não devia ser varrido por argumentários que parecem ignorar o essencial da condição humana e o valor das vítimas, de todas as vítimas do aborto.

É também um exemplo de má fé legislativa: os adeptos do "sim" sabiam que esta lei não iria resolver nada e, pelo contrário, agravaria a situação. Ninguém com um mínimo de conhecimento da realidade, das causas que estão na origem do aborto, da heterogeneidade das situações, da desigualdade das condições podia, de boa-fé, acreditar na bondade da lei. Aceitaram-se como bons dados forjados, ouviram-se peritos escolhidos à la carte, criou-se um discurso ditatorial, explorou-se a compaixão das pessoas e apagou--se o histórico.

Volto por isso ao ponto onde sempre estive, com as mesmas preocupações que sempre senti e que agora parecem ser partilhadas pelo presidente da Comissão Nacional de Ética. Uma lei que liberaliza, que consagra o aborto a pedido sem necessidade de qualquer justificação, é uma lei que institui a violência pela consagração de medidas desproporcionais e banaliza um acto que, em qualquer circunstância, é sempre de extrema gravidade. Criou-se nesta, como em outras questões éticas, uma cultura desumana assente na exaltação do egoísmo e da irresponsabilidade: da mulher em relação a si própria, em relação a um terceiro cujo direito a nascer é preterido ao menor capricho, em relação à sociedade em geral que não se revê num desmazelo militante cuja factura não quer pagar, em relação aos profissionais de saúde que abraçaram uma vocação assente em valores que estes actos violentam, e que estão na primeira linha de um SNS de recursos escassos e necessidades crescentes.

E, tal como então previmos, confirma-se agora uma perversidade adicional desta lei que funcionou como analgésico das más consciências públicas e privadas quanto às causas do aborto que merecem ponderação: o combate à pobreza das mulheres, a criação de meios efectivos para orientar, informar e criar alternativas, apoios à maternidade, um planeamento familiar eficaz e acessível.

De acordo com o presidente da Comissão Nacional de Ética é preciso coragem para rever aspectos negativos da actual lei. Que coragem e para quê? Para pôr de lado hipocrisias e oportunismos políticos e corrigir uma lei profundamente atingida por equívocos? Ou bastará a pequena coragem do remendo legislativo que dissolva a incomodidade das evidências e devolva a todos uma benévola sonolência?» (Maria José Nogueira Pinto)

sábado, junho 26, 2010

a arte de crescer

No Público de 8 de Junho
Pedro Lomba, jurista


«É fácil disparar sobre a ministra da Educação pela mais recente experiência do nosso ensino público: o salto automático para o 10.º ano dos alunos com mais de 15 anos repetentes do 8.º ano, desde que aprovados nos exames finais. Será mais um exemplo de "facilitismo", de "laxismo", de falta de exigência, tudo o que se diz nestas alturas.

Para fugir às críticas, Isabel Alçada argumentou que a medida é apenas um "incentivo" para que estudantes relapsos reentrem no sistema, tornem a acreditar neles próprios e completem então o ensino básico. A ministra acabou por sintetizar a sua fé de maneira quase dramática: "Eu acredito que a vontade move o mundo". Podemos dizer que, na sua afabilidade e transparência, nunca uma declaração política de um titular da pasta da Educação me pareceu tão expressiva.

A vontade de quem? A vontade dos estudantes, claro. A vontade dos tais estudantes que foram sistematicamente chumbando de ano, que não cumpriram as regras de avaliação, que não foram submetidos a qualquer ensino ou aprendizagem formal (aqui, do 9.º ano) mas que agora, por "incentivo" do ministério, podem finalmente passar de ano através dum regime de exame.

Diz-lhes o sistema: é verdade que vocês tiveram várias oportunidades; não se saíram bem; não se aplicaram nem aprenderam. Mas não se preocupem, porque nós podemos aligeirar as nossas regras incentivando-vos para que acreditem na vossa "vontade".

A vossa "vontade" é soberana. Na realidade, o sistema pode sempre adaptar-se, reformar-se, simplificar-se no sentido de se aproximar e ajustar às dificuldades dos alunos. E não existem limites para essa adaptação. Não existem limites para os "incentivos" possíveis. Têm negativas a mais? Nenhum problema: em vez de passarem com duas, passam com nove. Chumbam no exame de Junho? Não há problema: repetem em Julho. E se chumbarem em Julho? Fazem em Dezembro. Sempre a mesma lógica.

Por trás disto está obviamente uma cultura, que, mais do que o "facilitismo", é o aspecto que me interessa ressaltar. Esta, se virmos bem, é uma cultura que se pensa a si mesma como perpetuamente disponível, sempre à medida das necessidades e dos problemas dos destinatários. O princípio número um desta cultura chama-se: soberania e conveniência individual. Como se não fossem os alunos que tivessem de receber os valores da escola, mas os valores da escola que tivessem de incorporar as características especiais dos alunos.

E, no entanto: como é que nós crescemos? Já pensaram nisso? E como é que a escola nos influencia nesse processo de crescimento?

Pensemos assim. Há 100 anos o crescimento baseava-se numa espécie de filosofia da imperfeição. Nascíamos imperfeitos, cheios de lacunas e limitações e precisávamos do ensino precisamente para atalhar essas falhas. A escola era uma disciplina, certamente selectiva, mas na qual cada pessoa aprendia a conhecer-se a si mesma, a aperfeiçoar-se e a suprir os seus defeitos. A literatura do século XIX está cheio de representações deste modelo.

Nos últimos 50 anos surgiu outro tipo de pedagogia. O adolescente deste tempo é alguém que estamos obrigados a compreender. Em vez de olharem para os estudantes como criaturas falíveis e em formação, começou-se a destacar a ideia de que estamos todos envolvidos num processo de descoberta pessoal, numa busca pela nossa autenticidade e, nesse sentido, a educação precisa ela própria de se adaptar a esse processo.

No princípio era a cultura. No século XIX e creio que em parte do século XX o conceito de aprendizagem era inseparável desse aperfeiçoamento pessoal que começava a partir da escola. Não era o mundo que se tinha de adaptar a nós, mas nós que nos tínhamos de adaptar ao mundo. E esse era um processo difícil, aquilo a que muitas vezes se chamava "a formação do carácter". Como já vivemos tão embrenhados noutro mundo, somos incapazes de compreender os seus sinais.» (DN, 8 de Junho)