terça-feira, julho 31, 2007

O mito do crescimento demográfico


Os países europeus mais ricos têm vindo a desenvolver programas para fomentar o crescimento demográfico. O preconceito - que ainda vigora - que associava pobreza e muitos filhos estoirou nas mãos dos seus autores: a Europa rica vê o seu sistema de protecção social falir pelo pequeno pormenor da falta de gente (isto é, de novos contribuintes).

Pois é, sem nascimentos, não há trabalhadores, não há pagadores de impostos, não são precisas escolas, nem maternidades ... A Europa envelhece e não tem quem cuide dos velhos e dos doentes.

Nalguns países, como a Holanda, a eutanásia vai-se assumindo como uma forma de "limpar" o problema.
A nossa sociedade aceitou como válido o preconceito dos que consideram a população uma questão de números, não de pessoas.

Mais uma vez, andámos a reboque das modas e políticas americanas (apesar de estarmos sempre a embirrar com eles): para o imperialismo americano, o crescimento demográfico do terceiro-mundo é um problema porque podem invadi-los só pelo número. Nesta matéria, até são amigos dos ditadores chineses com quem colaboram empenhadamente no controle populacional.

Acontece que a questão da população se resolve a dois, no seio do par que decide empenhar a sua vida a criar e educar os filhos. Até o nosso Ministro das Finanças reconhece que em Portugal existe discriminação fiscal contra as famílias com filhos. Os estudos estão feitos há bastante tempo: sem gente não há desenvolvimento.

A OCDE vai avisando que apesar da machadada nas pensões de reforma, ainda não resolvemos a questão.


Cada pessoa é única e irrepetível: a questão não é o número, mas a liberdade com que cada um decide assumir (ou não) os compromissos com que a vida nos confronta.

terça-feira, julho 24, 2007

Carta Aberta de um Professor à Caixa Geral de Aposentações

Olá, Artur!


Carta Aberta ao Excelentíssimo Senhor Director da Caixa Geral de Aposentações

Então pela primeira vez nos apercebemos de que a nossa língua carece de palavras para exprimir esta ofensa, a destruição de um homem.
Primo Levi

Obviamente demito-o
Humberto Delgado


Excelência:

Estou certo de que a sua resposta à minha carta não demorará dois meses e dois dias, como aconteceu a Artur José Vieira da Silva, professor de filosofia da Escola Secundária Alberto Sampaio, conhecida na cidade de Braga e arredores pela sigla ESAS. Creio sinceramente que assim será, pois não posso acreditar, por um momento que seja, que Vossa Excelência tenha podido ignorar o apelo de um homem que, ao ver aproximar-se o termo da sua vida, lhe pede apenas um sinal de boa vontade, uma pequena boa acção no exercício do bem.

Estou certo de que a sua resposta será célere e que compreenderá com toda a força de que é capaz a razão que motiva esta epístola. Confesso-lhe que tenho andado pela noite à procura dessa luz que a vigília às vezes concede aos humanos. Mas não encontro… Infelizmente não encontro nenhum castelo, nenhuma demanda, nenhum princípio, alguma lei, não encontro nada que me permita compreender por que razão Vossa Excelência demorou tanto tempo a responder a uma pessoa gravemente doente e que pedia apenas para ser vista por uma nova junta médica, que não aquela que o “condenou”.

Vossa Excelência teve a oportunidade de ouvir as palavras de Artur, escritas com dor e com mágoa, escritas também com dignidade e sem subserviência. A sua voz escreveu-lhe no dia 27 de Setembro e V. Excelência respondeu a 29 de Novembro, sessenta e quatro dias depois. Dir-me-á que não foi Vossa Excelência, mas antes um funcionário cansado ou um computador furioso. Pergunto-me até se é a Vossa Excelência que devo dirigir-me e peço desde já desculpa pelo incómodo, mas eu ando tão perdido neste mundo, que julguei poder encontrar junto de si o refúgio adequado à expressão da minha angústia. Perdão! Peço perdão por mim e por uns quantos brácaros que olham pasmados para Lisboa e reparam que afinal é ela que não conhece o Latim.

Estou inteiramente à disposição de Vossa Excelência e dos seus servidores para a realização de um eventual encontro, oficina de escrita ou de leitura e se o tempo correr a nosso favor, podemos ainda organizar um evento sobre o jogo dramático e o psicodrama. Gostaria, nessa altura, de trocar algumas impressões sobre a língua portuguesa e sobre o estudo dos textos… Sim, eu posso compreender que talvez não haja tempo, nesse dia, para aprofundar a hermenêutica e muito menos para abrir as portas à casa do pensamento. Sim, isto passa quando salvarmos o Estado Social… E nessa manhã luminosa vamos poder andar mais devagar e nessa altura voltaremos ao tempo da preguiça e da leitura, aos amores da idade que acontecem quando se anda vivo da alma. Oxalá!

Mas ainda não falamos da argumentação. Que lhe parece? O Artur não tinha razão? Está-me a dizer que tinha ou que não tinha? Ah, talvez a carta não estivesse bem escrita, talvez o Artur se tenha esquecido de se despedir de si… Porquê então? O Artur argumentou, expôs as suas ideias e as suas razões, falou claro e o que eu sei é que Vossa Excelência não compreendeu. Como? Errou na interpretação? Houve desfasamento temporal? Outras prioridades se alevantaram? Ah, não me diga … Ordens superiores?! Ordens de quem? Para quê? Problemas financeiros, quotas? Se for a acreditar nessa hipótese, então o cancro é doença amiga do orçamento e na sombra da economia poderemos em breve resolver o deficit.

Imagino também que Vossa Excelência deverá ser homem de muita cultura, talvez um doutor, um engenheiro ou um economista, talvez um informático ou, quiçá, um sábio. Homem de muita letra deverá ser Vossa Excelência. Talvez por isso, não me pareça adequado, nas presentes circunstâncias, aconselhá-lo a frequentar um qualquer processo de reciclagem, uma formação rápida em direitos do homem, um exame na disciplina de Português, mormente nas questões relativas à leitura e à análise de texto; também não desejamos sujeitar Vossa Excelência a um período de estágio num lar de terceira idade, num estabelecimento prisional ou num hospital psiquiátrico. Essas vivências, como sabemos, podem ser muito benéficas, na medida em que nos permitem conhecer o sofrimento humano. Mas nós ainda falamos, ainda bradamos aos céus, ainda cá estamos, não é? Ainda gritamos, como fez um dia o rei da Boa Memória: cá eu vivo e são sou, a Deus graças.

Quando termina a jornada e a cidade já pensa em ir trabalhar outra vez, presumo que Vossa Excelência se dirige para o lar, em busca dos seus e da paz que precisa para se achar um homem feliz. Sou o primeiro a admitir que Vossa Excelência é um cidadão exemplar, que dá os bons dias a quem passa e que, às vezes, se senta num jardim a observar com bonomia os velhinhos que jogam à sueca e as crianças que dão a volta ao mundo no carrocel. Como todos nós, também Vossa Excelência deve ter tido uma avó e um dia terá dado esmola a um pobre e rezado uma oração para salvação das almas e dos aflitos. Admito até que possa ser amigo dos animais, que goste de andar a pé e que se prepare para investir em nova tecnologia amiga do ambiente. Só não compreendo por que razão não respondeu ao Artur enquanto ele ainda tinha força para se defender. Por que razão o deixou definhar e o abandonou à sorte que veio a ser a morte? Por que lhe negou o direito a ter esperança e a ver reconhecido o seu direito à reforma? Não posso acreditar que tenha havido má-fé. Não posso acreditar que, perante um homem indefeso, Vossa Excelência tenha dito que não, ou pior, tenha esquecido a princípio, para depois responder, quando já não havia nada a fazer.

Ah! É verdade… antes que me esqueça! Saberia Vossa Excelência informar-me sobre os prazos de resposta no âmbito do procedimento legal entre os cidadãos e a administração? Normalmente os cidadãos têm dez dias para responder, mas a instituição teve, pelo menos, dois meses e dois dias, não é verdade?

Chegados a este ponto, talvez Vossa Excelência queira saber quem é este cidadão que em pleno mês de Julho, quando o seu país se prepara para ir a banhos, se atreve a escrever-lhe uma carta. Pois bem. Eu sou só eu, mas há uma parte de mim que faz parte da sinédoque. Lembra-se da praia lusitana? A figura toma a parte pelo todo e, nesse sentido, eu sei que não estou a falar sozinho.

José Miguel Braga, E-mail setesopas@sapo.pt e professor da ESAS, em Braga, aos dezassete dias do mês de Julho, se não me engano, do ano de dois mil e sete.

Post scriptum: Espero não ser obrigado, um dia, a escrever-lhe uma carta pelas mesmas razões do Artur. Mas se isso acontecer, aqui ou no inferno, o senhor vai responder muito mais depressa, porque eu deixo escrito que quero ir de maca até ao seu escritório para lhe poder entregar a missiva por mão própria. Nessa altura, levar-lhe-ei também uma edição barata do Hamlet. Não, não é omeleta nem leva batata. É Shakespeare. “Ser ou não ser, eis a questão.”

domingo, julho 22, 2007

Será desta vez?


Em comunicado, a Associção Portuguesa de Famílias Numerosas (APFN), faz um elogio prudente das anunciadas medidas de apoio à família, anunciadas pelo Primeiro Ministro, depois de, no passado dia 17 ter apontado um dedo certeiro ao buraco demográfico português.

(...)

«Sem lhe retirar nenhum valor, a APFN vê estas medidas apenas como um pequeno sinal da vontade de Sócrates de inverter a crescente queda da taxa de natalidade. Mas, para isso, é necessário bastante mais, como todos sabemos, e Sócrates já demonstrou ter a capacidade de realizar! Basta fazer, relativamente ao défice demográfico, o que tem vindo a fazer, com sucesso, relativamente ao défice das contas públicas: Anunciou publicamente o défice, estabeleceu metas para os anos seguintes e prazo para o levar a zero, e as medidas necessárias para o atingir! E, deste modo, todos podemos ser testemunhas, como somos, do sucesso das medidas adoptadas pelos resultados obtidos. Do mesmo modo, deverá anunciar qual o actual défice na taxa de natalidade ((2.1-1.36)/2.1 = 35.2%), estabelecer metas (que défices quer ter em 2008 e 2009 e em quantos anos levá-lo a zero) e pôr em prática medidas para atingir essas metas. Depois, veremos... Se as metas forem ultrapassadas, poderá aliviá-las, mas, se não forem, terá que intensificá-las.
Trata-se de um exercício extremamente simples, porque muitos países já passaram pela situação de Portugal e já há resultados. Basta adoptar, não as medidas "giras", mas as que deram melhor resultado!

O exemplo francês é o melhor, porque França atingiu os desejados 2.1 num espaço de tempo razoável e, curiosamente, o grupo populacional a atingir esse valor em primeiro lugar foram os casais portugueses aí emigrados! Ora, como é fácil de se perceber, os casais portugueses obterão em Portugal os mesmos "resultados" que em França no caso de Portugal adoptar a mesma política de família que França!
O nosso caderno 15 apresenta essas medidas, de que se realçam: 1) Acabar de vez com a fortíssima política anti-família e anti-natalidade do sistema fiscal português, conforme foi reconhecido publicamente pelo actual Ministro das Finanças no programa "Prós e Contras" de 6 de Novembro e que pode ser aqui consultado (http://apfn.ficheirospt.com/Nov2006/prosecontras061120006.wmv)
2) Actualizar as pensões familiares com o mesmo critério que foi seguido para a actualização das propinas nas universidades, isto é, actualizar para 2007 os valores que existiam em 1973. Isto fará com que o abono de família passe para 120 Euros por mês, por filho, independentemente do rendimento familiar e, obviamente, enquanto o filho estiver a cargo. Mesmo assim, ficará em cerca de metade do valor médio na Europa!
3) Entrar em linha de conta com o número de filhos de cada pensionista no cálculo da sua pensão de reforma, uma vez que, considerar-se toda a carreira contribuitiva quer dizer isso mesmo: toda! E o nosso contributo é tanto em dinheiro como em filhos, sendo este o contributo mais importante! É precisamente pela falta desse contributo que as pensões estão ameaçadas
(...) 20 Julho 2007


quinta-feira, julho 19, 2007

Linguagem pecuária

Comunicado da Associação Portuguesa de Famílias Numerosas (APFN)


«Conforme alertado pela Associação no passado dia 9 de Julho e amplamente noticiado pela comunicação social, Portugal atingiu, em 2006, o mínimo absoluto de natalidade, com apenas 105 351 nascimentos, número já disponível no Eurostat mas, curiosamente, ainda ausente no site do INE, que apenas mostra dados de 2005 e anos anteriores.

Isto quer dizer que, em 2006, nasceram menos 57 323 bebés do que seria necessário para que o Índice Sintético de Natalidade (ISN) fosse de 2.1 filhos por mulher em idade fértil.

O défice total de crianças e jovens atingiu o número de cerca de 940 000 desde 1982, último ano em que o ISN foi igual a 2.1.

(...)

É assim bem visível o resultado do agravamento da política anti-natalista praticado por este governo e pela actual maioria parlamentar (perante a indiferença da esmagadora maioria dos restantes deputados) e que tem um nome e um rosto: José Sócrates, Primeiro-Ministro e Secretário-Geral do partido da maioria.

À semelhança da figura mítica de Zorro, que marcava as suas vítimas para sempre com um "Z" feito com a espada no seu peito ou na sua testa, Sócrates está a deixar a sua marca bem vincada para as próximas gerações, ao deixar o país cada vez menos viável e sustentável por falta de crianças e jovens.

Esta política anti-natalista atingiu o máximo expoente com a inimaginável portaria de "regulamentação" do aborto do Ministro da Saúde Correia de Campos, ponta-de-lança socretino, ao classificar como "doentes" as grávidas que procurem abortar e isentando-as das taxas moderadoras, ao procurar condicionar o exercício da objecção de consciência por médicos e enfermeiros, ao mover mundos e fundos para a liberalização do aborto em total oposição à política que tem imposto no que diz respeito aos verdadeiros doentes, em que cada vez é mais caro e difícil o acesso aos necessários cuidados de saúde!

A APFN manifesta a sua estranheza com a notícia de que o actual governo prepara um conjunto de medidas de "incentivo à natalidade". Como é evidente, aguarda, com uma enorme curiosidade a divulgação das medidas socretinas, medidas essas que só poderão ser totalmente opostas à forte cultura anti-natalista deste governo e desta maioria.

Portugal não precisa de "incentivos à natalidade"! Isso é linguagem aplicável a pecuária! Portugal precisa, sim, de "política de família"!»



Pior do que a cegueira dos governos (TODOS!) que temos tido, só a teimosia de quem nos puxa cada vez mais para o fundo.