«"Não estávamos a conseguir aguentar financeiramente a casa, estávamos a entrar em situação de ruptura e então resolvemos separar-nos, mas só no papel."
O desabafo é de João R., 41 anos, pai de seis filhos, residente em Braga, que simulou uma separação com a sua mulher, Ana R., 39 anos, para poder beneficiar das deduções em sede de IVA relativas a encargos com os filhos do casal.Desde então, há quatro anos, a família Rodrigues, que continuou a ser uma família no seu dia-a-dia e que apenas se divorciou "no papel", tem vindo a poupar cerca de mil euros por mês. "O correspondente a um salário quase", explicou ainda João R. ao DN.
Esta é mais uma de muitas famílias de pais casados ou unidos de facto a quem o Estado- através do regime de tributação de IRS em relação aos encargos com os filhos - não permite descontos fiscais sobre o valor desses encargos, ao contrário das famílias monoparentais, de pais separados ou divorciados, que podem descontar o valor da chamada "pensão de alimentos".
Esta realidade foi denunciada já em 2005, pela Associação Portuguesa de Famílias Numerosas, e levou o Provedor de Justiça, Nascimento Rodrigues, também logo na altura, a fazer um apelo ao Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, nesse sentido.
Em 2007, o Governo assumiu a existência dessa falta de equidade na tributação fiscal e prometeu um igual tratamento, mais favorável às famílias monoparentais, naquilo a que chamou "Relatório para a simplificação dos Sistema Fiscal Português".
Até hoje, contudo, tudo se mantém. Por isso, o Provedor de Justiça voltou a questionar, ontem, o Governo, para que lhe transmita "o estado de concretização das medidas preconizadas nesse relatório", pode ler-se no comunicado do gabinete de Nascimento Rodrigues.
Contactado pelo DN, o gabinete do Ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, não esclareceu o porquê do atraso e apenas assumiu que "esse assunto está a ser estudado".
"Desde que fingimos esta separação que conseguimos comprar um carro, para transportar decentemente os meus seis filhos, um fogão para a cozinha e fazer férias". Porque, segundo João R., "estávamos a caminhar para uma "situação absurda" .Por isso, há quatro anos, casados desde 1990, o casal, com educação de nível superior e a trabalhar como quadros superiores de empresas, recorreu a um advogado e simulou uma intenção de separação. "Mas nada mudou. Continuamos a viver juntos e a gostar um do outro."»
Republiquei este post hoje porque, pelos vistos, ainda não somos uma espécie em extinção ... (por enquanto)
«A criancinha quer Playstation. A gente dá.A criancinha quer estrangular o gato. A gente deixa.A criancinha berra porque não quer comer a sopa. A gente elimina-a da ementa e acaba tudo emfestim de chocolate.A criancinha quer bife e batatas fritas. Hambúrgueres muitos. Pizzas, umas tantas. Coca-Colas, àslitradas. A gente olha para o lado e ela incha.
A criancinha quer camisola adidas e ténis nike. A gente dá porque a criancinha tem tanto direitocomo os colegas da escola e é perigoso ser diferente.A criancinha quer ficar a ver televisão até tarde. A gente senta-a ao nosso lado no sofá e passa-lheo comando.A criancinha desata num berreiro no restaurante. A gente faz de conta e o berreiro continua.Entretanto, a criancinha cresce. Faz-se projecto de homem ou mulher.Desperta.
É então que a criancinha, já mais crescida, começa a pedir mesada, semanada, diária. E gastametade do orçamento familiar em saídas, roupa da moda, jantares e bares.A criancinha já estuda. Às vezes passa de ano, outras nem por isso. Mas não se pode pressioná-laporque ela já tem uma vida stressante, de convívio em convívio e de noitada em noitada.
A criancinha cresce a ver Morangos com Açúcar, cheia de pinta e tal, e torna-se mais exigente comos papás. Agora, já não lhe basta que eles estejam por perto. Convém que se comecem a chegar àfrente na mota, no popó e numas férias à maneira.
A criancinha, entregue aos seus desejos e sem referências, inicia o processo de independênciameramente informal. A rebeldia é de trazer por casa. Responde torto aos papás, põe a avó emsentido, suja e não lava, come e não limpa, desarruma e não arruma, as tarefas domésticas são«uma seca».
Um dia, na escola, o professor dá-lhe um berro, tenta em cinco minutos pôr nos eixos a criancinhaque os papás abandonaram à sua sorte, mimo e umbiguismo. A criancinha, já crescidinha, ficatraumatizada. Sente-se vítima de violência verbal e etc e tal.Em casa, faz queixinhas, lamenta-se, chora. Os papás, arrepiados com a violência sobre ascriancinhas de que a televisão fala e na dúvida entre a conta de um eventual psiquiatra e o derreterdo ordenado em folias de hipermercado, correm para a escola e espetam duas bofetadas bemdadas no professor «que não tem nada que se armar em paizinho, pois quem sabe do meu filhosou eu».
A criancinha cresce. Cresce e cresce. Aos 30 anos, ainda será criancinha, continuará a viver nacasa dos papás, a levar a gorda fatia do salário deles. Provavelmente, não terá um emprego. «Masao menos não anda para aí a fazer porcarias».Não é este um fiel retrato da realidade dos bairros sociais, das escolas em zonas problemáticas,das famílias no fio da navalha?
Pois não, bem sei. Estou apenas a antecipar-me. Um dia destes, vão ser os paizinhos a ir parar aohospital com um pontapé e um murro das criancinhas no olho esquerdo. E então teremos muitoscongressos e debates para nos entretermos.» (A Devida Comédia, coluna de Miguel Carvalho, Artigo publicado na revista VISÃO online)