quarta-feira, setembro 12, 2012

O Estado discrimina os ateus e agnósticos ...

(...) «se o Valter e a Viviana, dois fervorosos ateus da Charneca da Caparica, quiserem também unir as suas vidas de forma irrevogável, não o podem fazer juridicamente. 

Com efeito, a actual lei civil não lhes permite essa opção. Por outro lado, também não podem recorrer ao casamento indissolúvel católico, porque a Igreja, obviamente, não pode admitir ao sacramento do matrimónio um casal em que nenhum dos nubentes professa a religião cristã. 

Daqui resulta, portanto, que os católicos beneficiam de uma possibilidade jurídica que está vedada aos ateus e agnósticos, bem como a todos os outros cidadãos não católicos. 

Ao que parece, esta proibição legal de uma aliança conjugal perpétua baseia-se no entendimento de que o Estado não deve permitir que ninguém, mesmo agindo no pleno uso da sua razão e vontade, se possa comprometer matrimonialmente de forma definitiva, ou seja, sem uma cláusula de eventual rescisão.

Uma tal prudência legislativa seria louvável, se não fosse tão incrivelmente contrária à mais elementar liberdade dos cidadãos. Com a mesma razão, ou a mesma falta dela, também se deveria proibir legalmente a adopção, pois é tão irreversível quanto o seria um matrimónio indissolúvel. 

Portanto, é avisado que o ordenamento jurídico seja exigente nas condições que requer para uma decisão definitiva, mas não pode, salvo que se assuma como expressão de um poder autoritário, restringir a liberdade dos nubentes quanto ao tempo e ao modo como se querem comprometer matrimonialmente. 

Poder-se-ia objectar que, se o casal ateu não se quiser divorciar, nada o impede de permanecer casado o tempo que quiser e, por isso, não precisaria de um casamento civilmente indissolúvel, nem de nenhuma cláusula proibitiva do divórcio. Mas um tal argumento não é válido, porque aquilo que realmente pretende quem quer casar para sempre não é apenas a não dissolução, de facto, da aliança nupcial. Quer, sobretudo, a impossibilidade jurídica de que a dissolução se possa verificar por decisão de um cônjuge, ou de ambos. 

O Valter e a Viviana não querem apenas prescindir individualmente da sua faculdade de requerer o divórcio, mas cada um deles quer também evitar que possa ficar divorciado por efeito de uma acção interposta pelo outro. Ora um tal objectivo só poderá ser alcançado se houver, efectivamente, um matrimónio civil indissolúvel. Com efeito, segundo a lei vigente, qualquer casamento é dissolúvel, mesmo contra a vontade do cônjuge inocente, o que acontece as mais das vezes.» (...)

(Público, 11 de Setembro, Gonçalo Portocarrero de Almada, via blogue O Povo)

sábado, setembro 01, 2012

os brinquedos que impedem de brincar

No i-online, Inês Teotónio Pereira:


«Há uma importante lição que só se aprende depois de muitos euros gastos e de muitos quilómetros percorridos em centros comerciais. A lição é a seguinte: as crianças não gostam de brinquedos. (...)

São vários os sintomas desta hecatombe. Um dos mais irritantes é visível nas festas de anos dos meninos: as crianças já nem abrem os presentes que os convidados levam. Elas querem lá saber, qualquer presente só pode ser mais um brinquedo inútil para encher o quarto – porque, se fosse alguma coisa especial, já a tinham.
(...)  Por isso, não é raro uma pessoa chegar a uma festa de anos, munida orgulhosamente de um presente – que também nem demorou assim tanto tempo a escolher –, entregar à criancinha aniversariante, que do nada emerge de um monte de prendas, e ela nem olha para a nossa dádiva envolta em papel de embrulho; diz um obrigado automático e nós ficamos a vê-la ser depositada num monte de presentes, (...)


Outro sintoma são os próprios quartos das criancinhas. Os quartos dos nossos filhos não são quartos, são garagens com uma cama lá no meio; são arrecadações onde, por acaso, alguém dorme. 
É impossível a uma criança organizar uma qualquer brincadeira nestas condições. Por isso, o interesse em brincar morre logo ali à entrada do quarto. 


Para se conseguir brincar é fundamental ter muito poucos brinquedos, para que eles possam assumir vários personagens em várias brincadeiras durante anos a fio. (...) o pior é que os brinquedos não têm graça nenhuma. Nada. São tão completos, tão fáceis, tão previsíveis e tão automáticos que o próprio brinquedo rouba a brincadeira toda e diverte-se sozinho. 


Não há como brincar com os brinquedos de hoje. Carrega-se nos botões e os bonecos fazem tudo, os piões rodam, os carros fazem piruetas e as torradeiras de brincar torram mesmo. Não existe nada que se possa fazer para brincar com brinquedos que brincam sozinhos. Para ficar a ver, mais vale ver televisão e jogar no computador. Sempre é menos monótono.


É por isso, e por falta de tempo, que as crianças deixaram de brincar. Não é que elas não queiram, a chatice é que elas não sabem. Nem têm forma de aprender.


Deixou de ser preciso imaginar e inventar e deixou de existir paciência para o fazer. Pior: tudo o que as crianças podiam imaginar ou inventar está imaginado e inventado e disponível em qualquer loja perto de si. Já não existe o conceito “passar a tarde a brincar”. Onde? Como? Com quê? Com quem? Pois. O melhor é ir ver televisão e não desarrumar nada.»